Por Magali Cabral

Frente a eventos climáticos extremos e a demandas de clientes e investidores, setores produtivos hidrointensivos já passaram a incorporar análises sobre riscos e incertezas em seus planejamentos estratégicos. Saiba como

Assim como a própria vida, qualquer atividade produtiva depende da disponibilidade de uma certa quantidade permanente de água e de qualidade para seguir adiante. Há muitos sinais de que o futuro da oferta de recursos hídricos está pendendo mais para o lado da escassez do que para o da fartura, mas, em face das incertezas do que pode acontecer, há uma tendência à inação. Se prevalecer o pior cenário, muitas empresas não terão tempo nem recursos suficientes para se adaptar a uma nova realidade. Por essas e outras questões, como eventos extremos recentes e demandas externas de clientes e investidores, setores hidrointensivos já começaram a incorporar análises sobre riscos e incertezas em seus planejamentos estratégicos.

Das iniciativas do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) que reúnem grupos empresariais, duas trabalham diretamente com a agenda de riscos e incertezas: adaptação e serviços ecossistêmicos (saiba mais sobre as duas temáticas nas edições P22_ON Adaptação e P22_ON Serviços Ecossistêmicos). Começando pelos riscos, as empresas costumam categorizá-los em quatro grandes grupos: o físico, o reputacional, o financeiro e o regulatório.

A disponibilidade hídrica pode ser categorizada como um risco físico relacionado a problemas de quantidade e de qualidade. Sua origem pode decorrer de más práticas ou estar diretamente relacionada à disponibilidade hídrica local, ou ambos. O risco físico também pode se desdobrar em risco regulatório, risco reputacional ou risco financeiro. O primeiro trata de potencial mudança de preços, disponibilidade de suprimentos, direitos, padrões e licenças de operação de uma empresa particular ou de um setor.

O reputacional, aquele que afeta a percepção do público sobre uma marca, diz respeito à má execução da gestão do recurso em um grau que prejudique terceiros. O risco financeiro surge quando as demais categorias de risco afetam economicamente as atividades da empresa, seja reduzindo o seu acesso a financiamentos, impondo novos custos (por exemplo, a cobrança pelo uso da água, principalmente entre empresas com uso intensivo), seja baixando a sua receita pela queda nas vendas de seus produtos e serviços.

Como mapear as incertezas

Para começar a entender as incertezas é preciso imaginar os riscos dispostos em uma linha do tempo. Em um primeiro momento, um determinado risco é percebido porque já aconteceu algum evento de grande impacto. Por exemplo, o risco de uma empresa que trabalha nas Bacias PCJ, em São Paulo, que tem um histórico de escassez, entra no radar dos gestores porque já houve um grande estresse hídrico anterior. Depois vem o risco posto na linha do tempo presente, ou seja, quando o problema já está impactando os negócios, e a empresa precisa correr para, ao mesmo tempo, lidar com uma resposta de emergência, e escolher um caminho a seguir: o de um cenário mais pessimista, o mais otimista ou a coluna do meio?

Seguindo nessa linha do tempo até um futuro de mais longo prazo, o processo de tomada de decisão vai ficando mais difícil. É necessário antecipar riscos que ainda não existem. Neste ponto entra um grande nível de incerteza, porque todos os cenários são só projeções e o que vai acontecer de fato ninguém sabe. Para empresas ou órgão públicos, o ideal é estar preparado para o pior. Mas isso requer investimentos e esse custo precisa ser considerado relativamente aos benefícios e, de novo, vem a incerteza.

As projeções referentes à disponibilidade hídrica, conforme explica a coordenadora do programa Iniciativas Empresariais do FGVces, Mariana Xavier Nicoletti, são feitas pela Agência Nacional de Águas (ANA), com base em cenários de mudança do clima criados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e posteriormente conectados com a base de dados sobre as bacias hidrográficas. Os cenários podem ser criados tanto para o planejamento da gestão pública dos recursos hídricos como para as empresas privadas.

Em qualquer dos casos, quanto mais variáveis vão sendo inseridas nos cenários, e quanto maior o escopo geográfico, maior o grau de incerteza. Chega a um ponto de um determinado cenário prever que vai chover pouco em uma determinada bacia e um segundo cenário dizer que vai chover muito. “São camadas de incertezas que vão se acumulando”, resume Nicoletti.

Não é de admirar que, diante de tanta incerteza, muitos gestores acabem não fazendo nada.

No-regret e ganha-ganha

Nessas situações existem duas opções para fazer a agenda “andar” dentro das empresas ou das instituições. A primeira é a do no-regret (não arrependimento), ou seja, associar outros benefícios aos investimentos de minimização de impacto em uma eventual situação de estresse hídrico pode ajudar na tomada de decisão. Mesmo que o cenário não se confirme, haverá outros benefícios associados. Por exemplo, os investimentos em Adaptação baseada em Ecossistemas, que preveem medidas relacionadas à recuperação de mata ciliar, beneficiam todo um território com área verde para passear, clima local mais ameno, presença de biodiversidade, além de aumentar o fluxo e a qualidade da água a longo prazo.

A outra opção é a do ganha-ganha: independente de certezas e incertezas, a proposta é mobilizar outros atores para investir conjuntamente e gerar ganhos para comunidades e para governos locais. As parcerias podem incorporar projetos com aspectos sociais, que geram cobenefícios relacionados a medidas de adaptação, ao tratamento de água, entre outros (mais sobre adaptação aqui).

No Brasil, ainda são poucas as iniciativas em medidas de não arrependimento e de ganha-ganha. “A magnitude do impacto é fundamental para levar uma empresa – ou um governo, por exemplo – a fazer essa análise de materialidade”, afirma Nicoletti. “A maior parte delas investe para mitigar impactos que já ocorreram ou que estão para acontecer em no máximo 10 anos. E, quando a gente fala de cenários climáticos associados à escassez hídrica, está falando de 40 anos à frente, pelo menos”, complementa.

A Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE), iniciativa lançada em 2013 para apoiar o setor empresarial na incorporação do capital natural na tomada de decisão, reúne um grupo de empresas liderado pelo FGVces que, entre outras coisas, ajudam a trabalhar com incertezas.

Entre as ferramentas oferecidas está a valoração de serviços ecossistêmicos, que procura tangibilizar em indicadores monetários as dependências e impactos das empresas nos ecossistemas, entre eles a provisão e a qualidade de água (saiba mais no quadro abaixo). Saber o quanto custa o impacto da escassez hídrica para a empresa ou para um território contribui para avaliar o quanto os investimentos em medidas de redução de risco, adaptação, win-win (ganha-ganha) e no-regret valem a pena.

Nesse trabalho, as categorias de risco são divididas em três abordagens mais conceituais, conforme explica a pesquisadora Thais Moreno: “Há os riscos que eu sei que sei [são os riscos que a empresa, ou um setor público, já mapeou e pôs no radar]; há os riscos que eu sei que não sei [são aqueles em que os gestores sabem que estão expostos mas ainda não conseguiram quantificar – por exemplo, no caso da mudança climática, a maioria sabe que está exposta mas ainda não detém conhecimento científico suficiente, ou mesmo recurso financeiro, para trabalhar a questão internamente]; e há o pior de todos, aquele que a empresa não sabe que não sabe.

Esses que ainda não mapearam o seu próprio risco hídrico de médio e de longo prazo – ou o de sua cadeia de valor, em que os riscos são mais desafiadores por estarem pulverizados – podem ser surpreendidos por um grande impacto, por exemplo se tiverem ligação com o setor agrícola, o maior usuário e consumidor de recursos hídricos do País, e o setor energético (saiba mais sobre a conexão entre água, energia e alimento aqui). Uma ocorrência muito comum é a de gestores acharem que estresse hídrico é um problema apenas de política pública. Outra tendência é analisar apenas o histórico das bacias onde operam e, se o passado revelar abundância hídrica, achar que não há com o que se preocupar.

O olhar no retrovisor

A pesquisadora Layla Lambiasi, do programa Política e Economia Ambiental (PEA), do FGVces, expõe que sistemas de infraestrutura, como os de energia e recursos hídricos, são geralmente dimensionados a partir de séries de dados históricos: “Por evidenciarem o passado, sempre se supôs revelarem o futuro e, nesse sentido, quando projetadas, não consideraram um desenrolar no horizonte do tempo que implicasse situações divergentes das historicamente observadas.”

Acontece que a incerteza, como argumentam alguns estudiosos, é intrínseca ao ambiente natural e à ciência, e sempre estará presente como um de seus componentes basilares, principalmente no contexto recente da mudança do clima. Sendo assim, os pesquisadores creem que se centrar apenas em redução da incerteza é contraprodutivo. É necessário praticar a gestão da incerteza.

Uma estratégia consiste em considerar diversas hipóteses do que pode vir a acontecer e arquitetar um plano que prevaleça em todas elas, e este será o menos vulnerável. “A partir deste ponto – afirma Lambiasi –, não importa tanto o que vai acontecer. Importa que temos ali um intervalo de futuros possíveis e, dentro dele, estaremos preparados para diferentes acontecimentos em potencial”, conclui.

FERRAMENTAS DE GESTÃO

Por Amália Safatle

Iniciativas vêm sendo criadas para ajudar as organizações a lidar com os riscos e as incertezas hídricas. Conheça algumas das ferramentas disponíveis:

Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) – destinada a medir possíveis impactos ambientais resultantes da fabricação e utilização de determinado produto (bem ou serviço). A abordagem sistêmica da ACV é traduzida no jargão “do berço ao túmulo”, isso porque a abordagem envolve o levantamento de dados de cada fase do ciclo de vida do produto: desde a extração das matérias-primas, passando pela produção, distribuição até o consumo e a disposição final. Contempla também reciclagem e reúso, quando for o caso. A iniciativa Ciclo de Vida Aplicado (CiViA), do FGVces, capacita empresas sobre pegada hídrica.

CDP Water Disclosure Project – tem por objetivo coletar e disseminar informações relativas à governança da água, a dados operacionais dos usos da água e a riscos hídricos em operações próprias e na cadeia de suprimentos.

CEO Water Mandate – lançada pelo Pacto Global, a iniciativa busca mobilizar líderes empresariais para lidar com desafios globais por meio da gestão corporativa da água (water stewardship), em parceria com as Nações Unidas, governos, organizações da sociedade civil e outras partes interessadas. Aqui, um material voltado para o Brasil.

Ceres Aqua Gauge – criada para auxiliar os investidores em ações a interpretar e avaliar as informações fornecidas pelas empresas a respeito da gestão da água. Propõe uma estrutura para orientar o engajamento e o diálogo entre investidores e empresas.

Ferramenta de Risco Hídrico – desenvolvida pelo WWF com apoio do KfW DEG, traz informações e dados geoespacializados que permitem avaliar riscos hídricos e oferecem orientações sobre como lidar com situações críticas.

Valoração de Serviços Ecossistêmicos – possibilita a governos e empresas calcular um valor monetário de alguns serviços ecossistêmicos que dão suporte à vida, como a produção de água limpa. No âmbito da iniciativa Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE), do FGVces, foi desenvolvida a ferramenta Diretrizes Empresariais para a Valoração Econômica de Serviços Ecossistêmicos (Devese), que auxilia empresas na valoração de suas dependências e impactos sobre o capital natural. Entre os oito serviços ecossistêmicos abordados pela ferramenta estão provisão de água, regulação da qualidade da água e regulação da assimilação de efluentes líquidos.

[:en][RISCOS E INCERTEZAS]

Por Magali Cabral

Assim como a própria vida, qualquer atividade produtiva depende da disponibilidade de uma certa quantidade permanente de água e de qualidade para seguir adiante. Há muitos sinais de que o futuro da oferta de recursos hídricos está pendendo mais para o lado da escassez do que para o da fartura, mas, em face das incertezas do que pode acontecer, há uma tendência à inação. Se prevalecer o pior cenário, muitas empresas não terão tempo nem recursos suficientes para se adaptar a uma nova realidade. Por essas e outras questões, como eventos extremos recentes e demandas externas de clientes e investidores, setores hidrointensivos já começaram a incorporar análises sobre riscos e incertezas em seus planejamentos estratégicos.

Das iniciativas do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) que reúnem grupos empresariais, duas trabalham diretamente com a agenda de riscos e incertezas: adaptação e serviços ecossistêmicos (saiba mais sobre as duas temáticas nas edições P22_ON Adaptação e P22_ON Serviços Ecossistêmicos). Começando pelos riscos, as empresas costumam categorizá-los em quatro grandes grupos: o físico, o reputacional, o financeiro e o regulatório.

A disponibilidade hídrica pode ser categorizada como um risco físico relacionado a problemas de quantidade e de qualidade. Sua origem pode decorrer de más práticas ou estar diretamente relacionada à disponibilidade hídrica local, ou ambos. O risco físico também pode se desdobrar em risco regulatório, risco reputacional ou risco financeiro. O primeiro trata de potencial mudança de preços, disponibilidade de suprimentos, direitos, padrões e licenças de operação de uma empresa particular ou de um setor.

O reputacional, aquele que afeta a percepção do público sobre uma marca, diz respeito à má execução da gestão do recurso em um grau que prejudique terceiros. O risco financeiro surge quando as demais categorias de risco afetam economicamente as atividades da empresa, seja reduzindo o seu acesso a financiamentos, impondo novos custos (por exemplo, a cobrança pelo uso da água, principalmente entre empresas com uso intensivo), seja baixando a sua receita pela queda nas vendas de seus produtos e serviços.

Como mapear as incertezas

Para começar a entender as incertezas é preciso imaginar os riscos dispostos em uma linha do tempo. Em um primeiro momento, um determinado risco é percebido porque já aconteceu algum evento de grande impacto. Por exemplo, o risco de uma empresa que trabalha nas Bacias PCJ, em São Paulo, que tem um histórico de escassez, entra no radar dos gestores porque já houve um grande estresse hídrico anterior. Depois vem o risco posto na linha do tempo presente, ou seja, quando o problema já está impactando os negócios, e a empresa precisa correr para, ao mesmo tempo, lidar com uma resposta de emergência, e escolher um caminho a seguir: o de um cenário mais pessimista, o mais otimista ou a coluna do meio?

Seguindo nessa linha do tempo até um futuro de mais longo prazo, o processo de tomada de decisão vai ficando mais difícil. É necessário antecipar riscos que ainda não existem. Neste ponto entra um grande nível de incerteza, porque todos os cenários são só projeções e o que vai acontecer de fato ninguém sabe. Para empresas ou órgão públicos, o ideal é estar preparado para o pior. Mas isso requer investimentos e esse custo precisa ser considerado relativamente aos benefícios e, de novo, vem a incerteza.

As projeções referentes à disponibilidade hídrica, conforme explica a coordenadora do programa Iniciativas Empresariais do FGVces, Mariana Xavier Nicoletti, são feitas pela Agência Nacional de Águas (ANA), com base em cenários de mudança do clima criados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e posteriormente conectados com a base de dados sobre as bacias hidrográficas. Os cenários podem ser criados tanto para o planejamento da gestão pública dos recursos hídricos como para as empresas privadas.

Em qualquer dos casos, quanto mais variáveis vão sendo inseridas nos cenários, e quanto maior o escopo geográfico, maior o grau de incerteza. Chega a um ponto de um determinado cenário prever que vai chover pouco em uma determinada bacia e um segundo cenário dizer que vai chover muito. “São camadas de incertezas que vão se acumulando”, resume Nicoletti.

Não é de admirar que, diante de tanta incerteza, muitos gestores acabem não fazendo nada.

No-regret e ganha-ganha

Nessas situações existem duas opções para fazer a agenda “andar” dentro das empresas ou das instituições. A primeira é a do no-regret (não arrependimento), ou seja, associar outros benefícios aos investimentos de minimização de impacto em uma eventual situação de estresse hídrico pode ajudar na tomada de decisão. Mesmo que o cenário não se confirme, haverá outros benefícios associados. Por exemplo, os investimentos em Adaptação baseada em Ecossistemas, que preveem medidas relacionadas à recuperação de mata ciliar, beneficiam todo um território com área verde para passear, clima local mais ameno, presença de biodiversidade, além de aumentar o fluxo e a qualidade da água a longo prazo.

A outra opção é a do ganha-ganha: independente de certezas e incertezas, a proposta é mobilizar outros atores para investir conjuntamente e gerar ganhos para comunidades e para governos locais. As parcerias podem incorporar projetos com aspectos sociais, que geram cobenefícios relacionados a medidas de adaptação, ao tratamento de água, entre outros (mais sobre adaptação aqui). linkar com texto sobre Adaptação

No Brasil, ainda são poucas as iniciativas em medidas de não arrependimento e de ganha-ganha. “A magnitude do impacto é fundamental para levar uma empresa – ou um governo, por exemplo – a fazer essa análise de materialidade”, afirma Nicoletti. “A maior parte delas investe para mitigar impactos que já ocorreram ou que estão para acontecer em no máximo 10 anos. E, quando a gente fala de cenários climáticos associados à escassez hídrica, está falando de 40 anos à frente, pelo menos”, complementa.

A Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE), iniciativa lançada em 2013 para apoiar o setor empresarial na incorporação do capital natural na tomada de decisão, reúne um grupo de empresas liderado pelo FGVces que, entre outras coisas, ajudam a trabalhar com incertezas.

Entre as ferramentas oferecidas está a valoração de serviços ecossistêmicos, que procura tangibilizar em indicadores monetários as dependências e impactos das empresas nos ecossistemas, entre eles a provisão e a qualidade de água (saiba mais no quadro abaixo). Saber o quanto custa o impacto da escassez hídrica para a empresa ou para um território contribui para avaliar o quanto os investimentos em medidas de redução de risco, adaptação, win-win (ganha-ganha) e no-regret valem a pena.

Nesse trabalho, as categorias de risco são divididas em três abordagens mais conceituais, conforme explica a pesquisadora Thais Moreno: “Há os riscos que eu sei que sei [são os riscos que a empresa, ou um setor público, já mapeou e pôs no radar]; há os riscos que eu sei que não sei [são aqueles em que os gestores sabem que estão expostos mas ainda não conseguiram quantificar – por exemplo, no caso da mudança climática, a maioria que está exposta mas ainda não detém conhecimento científico suficiente, ou mesmo recurso financeiro, para trabalhar a questão internamente]; e há o pior de todos, aquele que a empresa não sabe que não sabe.

Esses que ainda não mapearam o seu próprio risco hídrico de médio e de longo prazo – ou o de sua cadeia de valor, em que os riscos são mais desafiadores por estarem pulverizados – podem ser surpreendidos por um grande impacto, por exemplo se tiverem ligação com o setor agrícola, o maior usuário e consumidor de recursos hídricos do País, e o setor energético (saiba mais sobre a conexão entre água, energia e alimento aqui – linkar com Contexto). Uma ocorrência muito comum é a de gestores acharem que estresse hídrico é um problema apenas de política pública. Outra tendência é analisar apenas o histórico das bacias onde operam e, se o passado revelar abundância hídrica, achar que não há com o que se preocupar.

O olhar no retrovisor

A pesquisadora Layla Lambiasi, do programa Política e Economia Ambiental (PEA), do FGVces, expõe que sistemas de infraestrutura, como os de energia e recursos hídricos, são geralmente dimensionados a partir de séries de dados históricos: “Por evidenciarem o passado, sempre se supôs revelarem o futuro e, nesse sentido, quando projetadas, não consideraram um desenrolar no horizonte do tempo que implicasse situações divergentes das historicamente observadas.”

Acontece que a incerteza, como argumentam alguns estudiosos, é intrínseca ao ambiente natural e à ciência, e sempre estará presente como um de seus componentes basilares, principalmente no contexto recente da mudança do clima. Sendo assim, os pesquisadores creem que centrar-se apenas em redução da incerteza é contraprodutivo. É necessário praticar a gestão da incerteza.

Uma estratégia consiste em considerar diversas hipóteses do que pode vir a acontecer e arquitetar um plano que prevaleça em todas elas, e este será o menos vulnerável. “A partir deste ponto – afirma Lambiasi –, não importa tanto o que vai acontecer. Importa que temos ali um intervalo de futuros possíveis e, dentro dele, estaremos preparados para diferentes acontecimentos em potencial”, conclui.

Ferramentas de gestão

Por Amália Safatle

Iniciativas vêm sendo criadas para ajudar as organizações a lidar com os riscos e as incertezas hídricas. Conheça algumas das ferramentas disponíveis:

Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) – destinada a medir possíveis impactos ambientais resultantes da fabricação e utilização de determinado produto (bem ou serviço). A abordagem sistêmica da ACV é traduzida no jargão “do berço ao túmulo”, isso porque a abordagem envolve o levantamento de dados de cada fase do ciclo de vida do produto: desde a extração das matérias-primas, passando pela produção, distribuição até o consumo e a disposição final. Contempla também reciclagem e reúso, quando for o caso. A iniciativa Ciclo de Vida Aplicado (CiViA), do FGVces, capacita empresas sobre pegada hídrica.

CDP Water Disclosure Project – tem por objetivo coletar e disseminar informações relativas à governança da água, a dados operacionais dos usos da água e a riscos hídricos em operações próprias e na cadeia de suprimentos.

CEO Water Mandate – lançada pelo Pacto Global, a iniciativa busca mobilizar líderes empresariais para lidar com desafios globais por meio da gestão corporativa da água (water stewardship), em parceria com as Nações Unidas, governos, organizações da sociedade civil e outras partes interessadas. Aqui, um material voltado para o Brasil.

Ceres Aqua Gauge – criada para auxiliar os investidores em ações a interpretar e avaliar as informações fornecidas pelas empresas a respeito da gestão da água. Propõe uma estrutura para orientar o engajamento e o diálogo entre investidores e empresas.

Ferramenta de Risco Hídrico – desenvolvida pelo WWF com apoio do KfW DEG, traz informações e dados geoespacializados que permitem avaliar riscos hídricos e oferecem orientações sobre como lidar com situações críticas.

Valoração de Serviços Ecossistêmicos – possibilita a governos e empresas calcular um valor monetário de alguns serviços ecossistêmicos que dão suporte à vida, como a produção de água limpa. No âmbito da iniciativa Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE), do FGVces, foi desenvolvida a ferramenta Diretrizes Empresariais para a Valoração Econômica de Serviços Ecossistêmicos (Devese), que auxilia empresas na valoração de suas dependências e impactos sobre o capital natural. Entre os oito serviços ecossistêmicos abordados pela ferramenta estão provisão de água, regulação da qualidade da água e regulação da assimilação de efluentes líquidos.