Por Amália Safatle
Falou em inovação no campo, pensou em máquinas agrícolas de última geração? Em trator guiado por satélite? Agricultura de precisão, clonagem? Acertou, mas em parte. A tecnologia de alta performance é uma aliada, mas não responde a todos os anseios por inovação do campo. Muitas vezes, a resposta está em soluções bem mais simples, ao alcance da mão.
A alta tecnologia é necessária para buscar a segurança alimentar de uma população que deve chegar a 9,7 bilhões em 2050, segundo a Organização das Nações Unidas. No entanto, as práticas agrícolas convencionais estão levando a humanidade a extrapolar alguns limites planetários, como o ciclo do nitrogênio e do fósforo, ao passo que aumenta a pressão sobre a diversidade genética e o uso da terra (ao avançar sobre as fronteiras naturais), sobre o consumo de água doce (amplamente utilizado na irrigação) e sobre a mudança do clima. Veja aqui as nove fronteiras planetárias descritas pelo Stockholm Resilience Centre, centro internacional de pesquisa transdisciplinar voltada para sistemas sociais e ecológicos.
Ao mesmo tempo que as práticas de agricultura despertam tantas preocupações em nível global, há um crescente interesse das pessoas sobre o que colocam em seus pratos de comida. Elas querem saber de onde vem o alimento, como foi produzido, como poderiam se alimentar melhor, de forma mais saudável e com menor impacto para o ambiente. Especialmente as pessoas que vivem em centros ubanos desejam se reconectar com a terra e as origens dos produtos.
Mas, no caminho que liga a produção rural e as cidades, há uma porção de obstáculos e desvios, tornando essa estrada mais longa do que poderia ser. Para aproximar o relacionamento entre o produtor rural, o distribuidor de alimentos e o consumidor final há um trabalho a ser feito na cadeia de valor dos alimentos, trabalho este que exige doses de inovação.
A percepção de que era preciso estimular e fortalecer os elos na cadeia levou os pesquisadores do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces) a lançar a iniciativa Bota na Mesa (para saber mais sobre o projeto, assista a vídeo aqui)
O objetivo é ampliar o diálogo na cadeia de valor dos alimentos, ajudando os seus atores a encarar os desafios do abastecimento nos grandes centros urbanos. “A gente vai ajudar quem produz alimentos a fornecer para aqueles que desejam comer melhor”, resume Paulo Durval Branco, vice-coordenador do GVces.
A iniciativa, diz Branco, põe na prática o discurso de que os negócios podem contribuir para a nova economia. No caso do Bota na Mesa, são negócios comprando de pequenos produtores que contribuem para a conservação de florestas e dos recursos hídricos, geram renda para a base da pirâmide e favorecem o desenvolvimento local.
Só que nada disso acontecerá sem que haja inovações incrementais na gestão dos pequenos empreendimentos, como associações e cooperativas de produtores familiares. Sem isso, o comprador continuará acreditando que é muito difícil fazer negócio com os produtores rurais, julgando que não possuem capacitação e preparo necessários para lidar com negócios. “Então nós vamos lá na ponta para entender as dificuldades desse sistema e tentamos atuar nos ‘pontos de acupuntura’, a fim de que isso ganhe escala. A partir daí, buscamos influenciar na regulação e na autorregulação, para que também as políticas públicas sejam transformadas”, diz Mauricio Jerozolimski, pesquisador do GVces.
Ao atuar na ponta, os pesquisadores descobriram que os pequenos produtores se preocupam com questões muito triviais, bastante próximas de seu dia a dia. Sentem falta, por exemplo, de se reunir para falar sobre como lidar com os intermediários, qual estratégia de vendas adotar, como abrir e diversificar os canais. Percebeu-se que havia grande demanda para algo muito simples: criar espaços de diálogo no qual pudessem trocar ideias e experiências e até mesmo compartilhar clientes.
A inovação de que precisam neste momento está muito mais em gestão de seus negócios e em relacionamento com os demais elos da cadeia do que na tecnologia propriamente dita. “Existe uma complexa cadeia de valor ligando a agricultura familiar até o mercado final. A complexidade dessa cadeia vai além das relações puramente comerciais: envolve novas concepções sobre cultivo, gestão e consumo, de forma a aprimorar práticas e atributos dos produtos”, diz Branco.
Um dos pontos que os pesquisadores destacam é a necessidade de empoderamento dos pequenos produtores para fazer frente aos intermediários e aos compradores finais. Isso se traduz em práticas de planejamento e capacitação técnica para lidar de forma mais vantajosa com o mercado – buscando a distribuição equilibrada das margens de lucro na cadeia, valorizando cada etapa produtiva e também remunerando de forma justa os atributos dos pequenos produtores que contribuem para a conservação ambiental.
Muito além da planilha Excel
Essa nova abordagem sobre a cadeia de valor de alimentos ajudou a influenciar até mesmo a forma como os órgãos de governo lidam hoje com o tema. Isso ficou patente na parceria realizada entre o GVces e a Secretaria de Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo.
Os técnicos da SMA, que inicialmente esperavam da FGV uma capacitação mais técnica dos agricultores, a exemplo de planilhas financeiras, deparou-se com outra dinâmica, com metodologias diferenciadas para lidar com a cadeia de valor da produção agrícola.
“No começo da parceria, eles queriam planilha Excel, mas a gente chegou com tarjetas, cola spray e papel kraft”, conta a pesquisadora Ana Moraes Coelho, para ilustrar que a secretaria esperava uma capacitação mais técnica, mas a inovação veio em formatos “fora da caixa”, usando materiais lúdicos que servem para construir debates mais participativos. Além de debates, essas dinâmicas favorecem a construção de ferramentas e estratégias em conjunto. (Em seguida, o gelo foi quebrado e, ao final do processo, os técnicos da SMA já queriam saber onde comprar a cola spray para colar tarjetas nas parede.)
A proposta, ao usar esse tipo de material e de dinâmica, era a de lançar mão do sonho como ponto de partida para desenvolver processos de inovação. Fazer aflorar as expectativas dos participantes da cadeia de valor, provocando a seguinte questão: “Quando a gente pensa na implementação desse projeto lá na frente, vislumbra o quê?”
Segundo Jerozolimski, esse trabalho levou a um plano de ação bem concreto, com metas, funcionários designados para cada tarefa, prazos definidos e participação de todos – mostrando que alicerçar o trabalho em cima de sonhos abre as asas para inovação com resultados palpáveis.
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