Por Amália Safatle
Se existe alguém que tende a ser pressionado de todos os lados quando se trata de gerir as emissões de carbono, este ator é a empresa. Para o cerco aumentar, é apenas uma questão de tempo.
Mais cedo ou mais tarde, as empresas terão de responder aos consumidores interessados em bens e serviços de baixo carbono e que pedem informações mais claras sobre os produtos. Precisarão lidar com a cadeia de valor, de modo a buscar fornecedores de insumos que também sigam diretrizes voltadas para a economia verde e a atender clientes corporativos mais exigentes.
Nessa mesma linha, serão pressionadas pelos governos, que tendem a impor regulações setorais mas rígidas. Terão de atender também aos investidores, cada vez mais avessos ao risco representado por ativos intensivos em carbono.
Tem mais. Sofrerão pressões crescentes da sociedade civil e da opinião pública. Estarão sob o olhar vigilante dos organismos multilaterais envolvidos nos acordos globais de clima. E precisarão cuidar para não ficar atrás de concorrentes menos carbono intensivos na disputa pelos mercados.
Diante dessa enorme tarefa, as empresas que buscam uma posição estratégica na economia de baixo carbono devem se perguntar: “Por onde começo?”
Como dissemos no texto de apresentação desta edição, não se consegue gerir o problema das emissões sem antes dimensioná-lo. O primeiro passo, portanto, é partir para a mensuração e o relato por meio de inventários de carbono.
Essa medição pode se referir apenas às emissões diretas da empresa (escopo 1), incluir as emissões referentes à geração da energia consumida pela empresa (escopo 2) ou acrescentar a tudo isso as emissões da cadeia de valor, ou seja, os fornecedores, os consumidores, os parceiros comerciais, entre outros (escopo 3).
Existem algumas ferramentas para isso. Construído com a finalidade de permitir a padronização entre as organizações, inclusive internacionalmente, o GHG Protocol é o método mais difundido no Brasil e no mundo para mensurar as emissões corporativas.
O GHG propõe uma linguagem universal que facilite a comunicação e o apoio à tomada de decisão. Além de empresas, pode ser usado por organizações governamentais e não governamentais, universidades e como base para programas regulados ou voluntários de emissões. (saiba mais nesta videoaula).
Mas o GHG não está sozinho. Existe outra vertente importante para mapear as emissões – desta vez não da organização em si –, mas daquilo que ela oferece: bens e serviços. Para isso, a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) fornece uma poderosa ferramenta para mensuração dos potenciais impactos ambientais do produto, e a mudança climática é um deles. Por meio da ACV podemos calcular a pegada de carbono de um produto.
Vamos detalhar as duas metodologias a seguir:
GHG: falando a mesma língua
Até o fim dos anos 1990, empresas, governos e organizações da sociedade civil viam-se às voltas com um desafio: encontrar um padrão internacional que permitisse contabilizar as emissões de carbono e comunicá-las de uma maneira compreensível em todo o mundo. O objetivo era ganhar adesão em larga escala.
Isso era necessário para que as empresas medissem suas emissões de maneira verdadeira, justa e comparável, sem distorções. Com isso, seria estimulada uma cultura de contabilização entre as empresas em todo o mundo, passo importante para gerir e reduzir as emissões globais. A adesão em larga escala era vital para que a maioria das empresas falasse a mesma língua e os diversos stakeholders pudessem compreender os números, dando transparência e consistência ao processo. Inventariar emissões e publicá-las deveria ser um processo simples e de custos reduzidos.
Com todos esses objetivos em mente, e após consultas a diversos stakeholders (partes interessadas), as organizações World Resources Institute (WRI) e World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) conseguiram desenvolver um padrão metodológico, que foi lançado em 1998: o Greenhouse Gas (GHG) Protocol.
Dez anos depois, a iniciativa seria lançada no Brasil com o nome de Programa Brasileiro GHG Protocol, por meio de uma parceria entre FGVces e WRI, com o apoio do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), da Embaixada Britânica no Brasil, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de 27 empresas fundadoras.
O programa brasileiro desenvolveu métodos e ferramentas para o contexto nacional e foi responsável por criar o Registro Público de Emissões. Hoje o GHG conta com a adesão de 136 organizações no Brasil e é o método mais utilizado no mundo para publicação de inventários de GEE (gases de efeito estufa) de organizações.
“Uma empresa que possui um inventário de GEE tem maior capacidade de gestão de seu impacto climático. Por meio da análise do seu perfil de emissões, uma organização pode identificar potenciais para redução e, através de melhorias na eficiência de seus processos, trabalhar para realizá-los. Isso pode, inclusive, refletir em benefícios financeiros para o negócio”, exemplifica George Magalhães, gestor do Programa Brasileiro GHG Protocol.
O lançamento da iniciativa no Brasil atendeu a diversos anseios das empresas: preparar-se para futuros marcos regulatórios, reduzir custos por meio de uma gestão interna de emissões, acessar novos mercados que estão exigindo tais informações, ampliar sua atratividade perante investidores, aumentar sua transparência, reforçando o reconhecimento dos stakeholders.
Trocando em miúdos, as empresas desejam reduzir riscos operacionais, mercadológicos, regulatórios e reputacionais e o GHG Protocol é uma ferramenta para isso.
Os riscos operacionais, explica Magalhães, dizem respeito aos prejuízos nas operações das organizações em decorrência da mudança climática e também à necessidade de adoção de medidas de adaptação para se tornarem mais resilientes a esses impactos. (leia mais sobre Adaptação aqui)
Já os riscos mercadológicos se referem à menor competitividade de uma empresa cujos concorrentes sejam mais eficientes em termos de emissões de carbono, e também a possíveis barreiras que uma empresa pode encontrar no acesso a mercados que exijam certo grau de desempenho ou informação sobre este assunto.
O risco regulatório, por sua vez, refere-se aos esforços que uma organização deve realizar para responder a algum tipo de obrigação, seja ela de disclosure de informações (por exemplo, o inventário de carbono), seja de adaptação de sua operação a uma nova realidade, como a regulamentação de uma meta de redução de emissões para um setor da economia. “Quanto maior a capacidade de uma organização antecipar esses movimentos, maior a possibilidade de se adaptar a essa nova realidade com menor custo de transição”, afirma o gestor.
E, por fim, os riscos reputacionais estão associados à mensagem que uma organização passa a seus stakeholders. Demonstrar uma estratégia de negócio que ignore um movimento global de transição para uma economia de baixo carbono – que no campo das finanças se traduz em uma pressão pela “descarbonização” dos portfólios de investimento – deve trazer cada vez mais retornos negativos para uma corporação.
Esse esforço no âmbito das empresas para reduzir riscos e ampliar suas oportunidades estratégicas dialoga com diversas políticas de alcance nacional, como a própria Política Nacional sobre Mudança do Clima, o Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono, o Plano Indústria, o Plano Decenal de Expansão de Energia, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono, o Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da Mudança do Clima, os planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e no Cerrado (PPCerrado), além do Plano de Redução de Emissões da Siderurgia, que está em fase de elaboração.
ACV: do berço ao túmulo
Quanto carbono é emitido na produção e no uso do seu jeans? Ou da sua jaqueta? Ou do carro da sua família?
A Levi’s, a Gore-Tex e a Toyota são algumas das muitas empresas que encararam o desafio de medir os impactos ambientais de seus produtos, entre eles os gases de efeito estufa, por meio da Avaliação de Ciclo de Vida (ACV).
A ACV é uma ferramenta que coloca em prática o Pensamento de Ciclo de Vida (saiba mais nesta videoaula), um modo de pensar que considera os impactos das atividades e bens desde a extração dos insumos necessários para sua produção (berço) até a destinação final (túmulo), passando pelas fases de produção, embalagem, de transporte e armazenamento, uso, de manutenção e de reciclagem.
A calça 501 da Levi’s, por exemplo, mede o seu impacto ambiental desde a produção do algodão usado no jeans até a reciclagem da calça ou o descarte final do produto, passando pela produção do tecido, pela fabricação do vestuário, pelo transporte e distribuição, e pelo uso do consumidor. Veja aqui com mais detalhes os cálculos que a empresa faz e descubra por meio deste quiz quanto você gasta de água e energia ao usar o seu jeans.
Assim como o GHG, a ACV estabelece uma linguagem global. Nesse caso, o padrão (normas ISO 14040 e 14044) serve para medir todos os potenciais impactos ambientais de um produto, que pode ser um bem ou serviço. Neste método não são considerados impactos de ordem social (Social Life Cycle Assessment) e econômica (Life Cycle Costing), porém já existem métodos complementares que abordam esses impactos sob a mesma ótica do produto.
Somando-se as três análises, temos uma avaliação completa da sustentabilidade do produto – a Avaliação de Ciclo de Vida (Life Cycle Sustainability Assessment). Neste site é possível encontrar informações e links para todos os métodos que, se utilizados em conjunto, completam o que é chamado de “avaliação da sustentabilidade”do produto.
A mudança climática é apenas uma das categorias de impacto ambiental levada em conta na ACV. Quando calculamos apenas as emissões de GEE de um produto, ela é chamada de pegada de carbono. As demais categorias comumente analisadas são acidificação, consumo de recursos naturais, depleção da camada de ozônio, ecotoxicidade, toxicidade humana, eutrofização, formação fotoquímica de ozônio, perda de biodiversidade, uso de água e uso da terra.
Uma das vantagens de fazer a ACV é descobrir onde está a maior pegada e ali centrar esforços para melhorar o desempenho ambiental do produto, reduzindo impactos em processos ou etapas específicas do seu ciclo de vida.
A Gore-Tex, por exemplo, que ficou famosa por vestir os astronautas da Nasa em 1981, na expedição ao espaço com a nave Columbia, aplica a ACV há 20 anos. Graças à ferramenta, a empresa desenvolveu jaquetas com baixa pegada ambiental pelo fato de que são muito duráveis. “Quanto mais durar, menor é seu impacto ambiental anual”, declara a Gore-Tex. Assista aqui ao vídeo sobre a experiência da empresa com ACV.
Neste outro vídeo, a Toyota mostra a ACV do Prius, carro híbrido que busca reduzir a pegada ambiental e especialmente a de carbono – desde o design do produto até a sua fabricação, uso e reciclagem. Segundo estudo da empresa, o maior impacto está no uso pelo consumidor, com 71% da pegada. Porém, este dado precisa ser analisado com atenção, já que nesta avaliação é considerado o impacto ao longo de toda sua vida útil, sendo a fase de uso a mais longa (se comparada à etapa de produção, por exemplo).
A fabricante americana de alimentos Bare Chicken é mais uma empresa centrada na pegada de carbono: veja neste link o compromisso de redução e um infográfico sobre o ciclo de vida dos seus produtos.
Esses são exemplos de como as empresas podem medir os gases de efeito estufa associados ao ciclo de vida completo dos produtos, incluindo matérias-primas, fabricação, transporte, armazenamento, uso e descarte. Um dos métodos mais conhecidos e utilizados para contabilizar a pegada de carbono é o GHG Protocol Product Standard, ou GHG Protocol para Produtos, e a PAS2050.
Desde 2015, a iniciativa Ciclo de Vida Aplicado (CiViA), do FGVces, auxilia as empresas na incorporação do pensamento de ciclo de vida na gestão empresarial. Até o momento, 25 empresas já foram capacitadas em métodos de pegada de carbono e algumas delas já desenvolveram ou estão desenvolvendo projetos para quantificar as emissões de GEE de seus produtos.
Depois de tudo isso… como comunicar?
Não basta apenas dominar os meandros técnicos da gestão de emissões. As empresas ainda têm de aprender o melhor jeito de falar sobre carbono com seus diferentes stakeholders – funcionários, clientes, fornecedores e investidores, a fim de maximizar os benefícios de sua atuação na economia de baixo carbono.
Atenta a essa lacuna, a Carbon Clear, consultoria britânica que atua com gestão de emissões, preparou este guia com “10 passos para uma efetiva comunicação sobre carbono” (Carbon Clear’s 10 Step Guide to Effective Carbon Communications).
Segue aqui um breve resumo do guia:
Passo 1 – Use informações confiáveis e evite o greenwashing
Embora a comunidade científica séria não tenha mais dúvida de que a mudança climática está em curso e é impulsionada por atividades humanas, ainda existe muita desinformação gerando confusão e dúvidas. Ao explicar os fatos básicos de maneira clara, você explica a seus interlocutores os motivos pelos quais está tomando medidas em prol do clima.
Passo 2 – Lance o programa internamente
Compartilhe com seus funcionários o seu plano para lidar com o carbono antes de lançá-lo para o público.
Passo 3 – Divulgue em seu site
O site da sua empresa será o primeiro ponto de contato para muitos de seus stakeholders. É importante que eles encontrem informações sobre sua política de carbono e atividades.
Passo 4 – Envie comunicados à imprensa
Ganhar reconhecimento do público pelo seu compromisso com o clima é uma ótima maneira dar impulso a seu programa e estimular seu desenvolvimento.
Passo 5 – Escreva um artigo
A chave para obter publicidade para as suas atividades na gestão de carbono é apresentar à opinião pública uma história interessante.
Passo 6 – Inclua o carbono no seu Relatório de Atividades
O carbono é cada vez mais visto como um risco e uma oportunidade. Descrever sua abordagem para medição e mitigação pode ser valioso.
Passo 7 – Inclua mensagens de carbono nas vendas
Considere usar a política de carbono como uma oportunidade para possibilitar ganhos de benefícios comerciais.
Passo 8 – Engage seus funcionários
A participação do pessoal muitas vezes é fundamental para cumprir as metas de redução de carbono. Criar um espaço para o diálogo com os funcionários ajudará a gerar novas ideias e garantir que seus planos são relevantes e realizáveis. Enviar uma forte mensagem sobre o seu compromisso ambiental pode elevar o moral e gerar um sentimento de orgulho entre sua força de trabalho.
Passo 9 – Trabalhe as redes sociais
A mídia social pode ser uma ótima maneira para se conectar com seus stakeholders e contar a eles suas histórias de carbono.
Passo 10 – Dê feedback e mantenha o ímpeto
Como em qualquer projeto, muitas vezes é fácil perder o impulso depois que uma iniciativa foi lançada. É importante manter o entusiasmo, especialmente se você contar com o engajamento dos funcionários para atingir suas metas de redução.