Por Amália Safatle
Você já parou para pensar o que significa ser um bom aluno? Ou para que serve um professor nos dias de hoje? E o que é um profissional de sucesso? Pois então se prepare: a proposta aqui é se livrar das ideias preestabelecidas e deixar que você mesmo tire as suas – novas – conclusões.
Mas nem tudo precisa de uma resposta. As perguntas já cumprem o papel de repensar a formação e abrir a caixinha para as múltiplas possibilidades. Agora, se você tiver uma resposta que não quer calar, use o canal do Facebook para compartilhá-la conosco. E, se quiser propor outras questões, também fique à vontade!
O bom aluno é o que tira notas altas?
Como você considera o modo como é avaliado – seja na escola onde estuda, seja na empresa onde trabalha?
Levantamos essas primeiras questões porque a maneira como a educação se dá no Brasil e em diversas parte do mundo ainda segue, de modo geral, preceitos e processos herdados do século XIX. Isso mesmo, do século XIX! O modo como as escolas se organizam lembram muito o modelo fabril.
Uma razão possível para isso é que a educação em massa surgiu em plena Revolução Industrial, em que se passou a valorizar a produção em massa, seja de um bem, seja de um conhecimento. Pela métrica industrial, ganham pontos os índices de produtividade e de acerto, muito baseados em quantidade, escala e atendimento a padrões predefinidos.
Nesta entrevista, Tiago Mattos, sócio-fundador da escola de criatividade Perestroika, compara: na escola, “as pessoas têm horário para entrar e para sair, como numa fábrica. Têm um apito para entrar e sair, como numa fábrica. Estão uniformizadas, como numa fábrica. Entram numa salinha onde tem um monte de gente do mesmo nível e uma autoridade gerenciando, com áreas totalmente desconectadas, como numa fábrica. Enfim, o que está nas entrelinhas do nosso diploma é: ‘parabéns, você está apto a trabalhar numa fábrica!’”
Só que os desafios atuais exigem bem mais que isso. O pensamento linear e binário, embora fundamental para a solução de diversas questões nos dias de hoje, não dá conta sozinho de resolver problemas complexos trazidos pela globalização, pela era da informação, pela revolução da tecnologia digital, pela economia do compartilhamento. O mundo tornou-se altamente interconectado e interdependente. Os desafios são globais e pedem outro tipo de formação, que inclui o pensamento linear, mas também vai além das esteiras de produção.
A questão é que esse modelo antigo de educação do século XIX continua sendo reproduzido nas escolas de negócios que formam as novas gerações de administradores e líderes, levando esse mesmo padrão de pensamento para o mundo do trabalho, nas esferas privadas e públicas.
Por meio deste artigo, publicado na Revista de Administração de Empresas (RAE), Alexandre Nicolini, professor da Universidade do Grande Rio (Unigranrio), chega a questionar as chances de sobrevivência desse modelo de ensino convencional que está em uso.
“Qual será o futuro das fábricas de administradores?” é a pergunta que dá título ao artigo de Nicolini. Ele também compara as escolas com fábricas e os bacharéis de administração com produtos, fato que contraria a opinião de mestres consagrados como o educador Paulo Freire e o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos. O que nos puxa algumas outras perguntas:
Como oferecer uma educação transformadora de modo acessível e em larga escala?
Pensando na sua formação integral como ser humano – você avalia que saiu (ou sairá) da escola melhor ou pior do que entrou?
O que os espaços escolares ensinaram a você?
Se você estivesse onde quer – e precisa – estar agora, estaria aí?
Enquanto isso, seja na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), seja no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a noção de sucesso é medida pela quantidade de artigos publicados e pela pontuação nas notas. Tanto o percurso formativo como o mercado de trabalho tendem a reproduzir os velhos padrões e métricas de avaliação de desempenho.
Na busca pelo “sucesso” no mercado de trabalho, é fácil observar, nas escolas de negócios, alunos que desembarcam com uma bagagem mais completa de experiências, mas logo abandonam o teatro, o violão etc. para se dedicar exclusivamente às aulas e alçar estágio nas grandes empresas. Passam a glamorizar a vida corrida, o trabalho “insano”, a falta de tempo. Perdem o necessário equilíbrio entre a educação formal, essencial para desenvolver suas aptidões profissionais, e as outras atividades que ajudam a enriquecer sua experiência de vida.
É no melhor estilo do humor britânico que o consultor inglês na área de educação Ken Robinson traz a provocação:
As escolas matam a criatividade?
Neste TED Talk, Robinson conta a história de uma das grandes dançarinas do Reino Unido, que invariavelmente era mal avaliada na escola e acabava na sala da diretoria. Fosse nos dias de hoje, provavelmente seria medicada contra déficit de atenção e hiperatividade.
Robinson usa essa história para ilustrar o que chama de hierarquia das disciplinas, com Matemática e Linguagem içadas ao topo, seguidas pelas Ciências. Mais abaixo vêm as disciplinas de Ciências Humanas e, por fim, as Artes. E, mesmo entre as Artes, há um ranking de importância, e a dança está na lanterninha. Ele questiona o motivo. Por que as habilidades cognitivas são consideradas mais importantes ou mais nobres que as demais? Pensando nisso:
Quais são as suas vocações? E os seus talentos?
Qual o seu lugar no mundo?
O que é uma carreira de sucesso?
Como transgredir as tradições escolares?
Robinson alerta que as escolas em geral vão incutindo nas pessoas o pavor de errar. As crianças, quando não sabem, chutam. Improvisam. Criam. Mas o medo de errar, de sair do padrão e de não atender às expectativas asfixia a criatividade. As pessoas passam a evitar o novo e o desconhecido. O “ser criança”, pouco a pouco, vai abandonando o adulto e essa perda é empobrecedora.
Onde está a criança que morava em você?
O vazio (o ócio, o espaço para o desconhecido) cabe em você?
Já sabemos que essa educação em escala, massificada e de baixo custo, que estimula a competição e a seleção dos “melhores”, herdada da Revolução Industrial, é o modelo mental dominante. Mas não é mais capaz de atender as necessidades e desejos de uma sociedade em transformação. Por outro lado, um processo mais customizado, cuidadoso com o percurso formativo e com o indivíduo, pode ser financeiramente inviável – e essa é outra questão que deve ser colocada.
Em um país com baixa qualidade de educação como o nosso, como inserir modelos transformadores no ensino público e de larga escala?
Em meio a tantos questionamentos, a função do professor também é posta em xeque. Há alunos que se sentem incomodados com o fato de que muitos professores os veem como mera página em branco a ser preenchida, ignorando a sua “bagagem biográfica”, a sua vivência anterior. Além disso, há outros elementos desestabilizadores dessa antiga relação professor-aluno.
Qual o papel do professor hoje e qual será daqui a dez anos?
O professor antigamente era o depositário do conhecimento, mas hoje o conhecimento está aí aos borbotões disponível para quem quiser. Onde se encaixa o professor nessa história, quando se tem à disposição serviços como o Massive Open Online Course, cursos gratuitos à distância, oferecidos a um grande número de alunos por meio de processos de coprodução?
Ao mesmo tempo, pode-se argumentar que o professor é aquele que tem a habilidade de fazer a curadoria e edição de todo esse conhecimento, mas hoje os programas de inteligência artificial, como o da empresa Inesplorato, já fazem isso também. Mais que isso, já existe um programa para dar escala à curadoria de conhecimento, chamado Mappa (o professor Wilson Nobre da FGV, fala sobre isso na videoaula número 3 da seção Drops).
Talvez a função que reste hoje aos professores seja a de instigar o questionamento e a curiosidade nos alunos. A inspiração, o coaching, a química da relação interpessoal. De todo modo, o professor encontra-se em um momento de inflexão, pois é preciso lembrar que eles também estão aprendendo e, muitas vezes, a noção de hierarquia coloca sobre suas costas uma pressão enorme de não errar, de não saber.
Nesta entrevista, o pensador Edgar Morin vê o professor como um regente da orquestra, com a tarefa de desenvolver nos alunos o espírito crítico. Até para que o aluno possa questionar tudo isso que estamos dizendo – e perguntar sempre, ao melhor estilo socrático. Sócrates, filósofo grego do século V a.C., dá nome a um método de investigação que conduz o aluno, por meio de perguntas, a refletir e descobrir, por conta própria, quais são seus valores.