Por Fernanda Macedo
Sem mobilizar o capital financeiro, dificilmente haverá impulso suficiente no movimento de transição para uma economia de baixo carbono. O campo das Finanças Sustentáveis coloca-se, portanto, como uma alavanca de transformação. Tem como objeto entender os sistemas financeiros e como estes são capazes de contribuir para um novo tipo de desenvolvimento. Além disso, o setor de finanças funciona como uma peça-chave para a estabilidade monetária, pois carrega tanto o potencial de gerar como o de evitar crises sistêmicas.
No entanto, ainda é pouco o recurso que tem sido destinado a apoiar mudanças mais alinhadas à ideia de sustentabilidade – seja ela social, ambiental, seja econômica, financeira –, pois a maior parte do dinheiro circulante em forma de investimento e financiamento continua a irrigar uma economia poluente e com uso intensivo de recursos naturais não renováveis.
As regras e incentivos vigentes que regem mercados financeiros geralmente não consideram os riscos ambientais a longo prazo e as oportunidades de novos negócios e de setores verdes não têm sido suficientemente valorizadas.
Essas distorções podem levar a uma má alocação de capital, criando obstáculos para a mudança rumo à Economia Verde (EV) – definida pelo Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, em inglês), como uma economia com melhora do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. A EV representa também uma economia de baixa emissão de carbono, com o uso eficiente dos recursos e inclusão social.
Apesar de o sistema financeiro ainda não estar preparado para tornar essa transição viável, algumas ações nacionais e internacionais têm se dedicado a encontrar formas de viabilizar mercados mais alinhados à ideia da sustentabilidade.
Desenhando um sistema financeiro verde
O Unep, por meio da iniciativa “Inquiry: Design of a Sustainable Financial System”, lançada em janeiro de 2014, tem explorado maneiras mais eficazes de imprimir mudanças nos processos de tomada de decisão do sistema financeiro, com o objetivo de estimular a EV.
Por meio de um Conselho Consultivo internacional – composto, entre outras instituições, pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), representando o Brasil –, a iniciativa tem realizado debates em torno de experiências em diversos países e a produção de mais de 50 artigos sobre o tema.
O projeto busca promover a ideia de que o financiamento para o desenvolvimento sustentável pode ser feito por meio do sistema financeiro e da economia real. Para isso, são necessárias inovações políticas, vivenciadas em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, que demonstrem como o sistema financeiro pode estar mais bem alinhado com o desenvolvimento sustentável (ver mais abaixo em “Avanços Regulatórios”).
Além disso, ações nacionais complementadas por cooperação internacional podem dar formato a um sistema financeiro verde. Por meio das melhores práticas atuais de gestão, a Inquiry tem reunido princípios e sugestões para avançar rumo a um sistema financeiro verde.
Em 2014, como parte da iniciativa, a Febraban estabeleceu uma agenda para analisar os possíveis caminhos para fomentar a transição para a Economia Verde no Brasil, por meio do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
A instituição tem participado de discussões internacionais sobre a alocação de capital para riscos socioambientais, no âmbito do conselho consultivo, e criou nacionalmente uma comissão intrassetorial para promover o diálogo entre associações de classe sobre temas relacionados ao desenvolvimento sustentável, com representação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), BM&FBovespa, Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) e Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Mas quais seriam os resultados já alcançados até o momento pelas iniciativas de valorização da EV no País? Como parte de um processo para padronização e monitoramento dos recursos alocados para a economia verde no Brasil, a Febraban e o FGVces apresentaram o estudo O Sistema Financeiro Nacional e a Economia Verde: Mensurando recursos financeiros alocados na economia verde, em outubro de 2015. Este estudo busca mapear os recursos do SFN mobilizados para a EV, apresentando o volume alocado em empréstimos e financiamentos, investimentos e seguros desembolsados para este fim nos anos de 2013 e 2014.
Resultados já alcançados no Brasil
A quantificação dos recursos destinados foi apresentada em dois níveis. O primeiro (nível A) engloba financiamentos para atividades potencialmente causadoras de impacto ambiental, por exemplo para as indústrias metalúrgica, mecânica, de madeira, de papel e celulose, química, têxtil, de produtos alimentares e bebidas, de fumo, de serviços de utilidade, de transporte, de turismo, de atividades agropecuárias, uso de recursos naturais, entre outras.
Os montantes de recursos financeiros desembolsados para esses setores foram de R$ 408 bilhões em 2013 e R$ 365 bilhões em 2014. Tais valores representam 33,5% e 33,2% do total dos financiamentos a pessoas jurídicas e empresas naqueles anos, indicando uma diminuição de cerca de 10,5% em montantes desembolsados para os setores no período.
O segundo nível mapeado no estudo (nível B) abarca os recursos destinados à EV. Esse conceito compreende setores como energias renováveis, eficiência energética, construção sustentável, transporte sustentável, turismo sustentável, água, pesca, floresta, agricultura sustentável, resíduos, educação, saúde, inclusão produtiva e desenvolvimento local e regional.
Também são incluídos no nível B os volumes referentes a produtos financeiros temáticos, desenvolvidos para auxiliar a transição para a EV, e que possuem seus recursos devidamente monitorados, como o Fundo Amazônia, Fundo Clima, PSI – Inovação, entre outros.
Os resultados do estudo para o nível B indicam que os valores em recursos financeiros desembolsados em setores da EV chegaram a R$ 110 bilhões em 2013 e a R$ 107 bilhões em 2014, representando 8,8% e 9,6% do total dos financiamentos a pessoas jurídicas e empresas nesses anos. Não foram apontadas variações relevantes, apesar da pequena queda de em relação a 2013 de cerca de 3%.
O mapeamento desses recursos pode ajudar no desenvolvimento de estratégias de risco de investimento e na identificação de novas oportunidades de negócios para as instituições financeiras. Mas, mesmo assim, a alocação de financiamentos alinhada aos princípios da EV precisará conviver com os conceitos da prudência e resiliência que orientam as tomadas de decisão pelos agentes financeiros e reguladores.
Avanços regulatórios
Os recursos financeiros identificados no estudo O Sistema Financeiro Nacional e a Economia Verde: Mensurando recursos financeiros alocados na economia verde são influenciados por diversos contextos, como foi o caso do lançamento da Resolução nº 4.327, de abril de 2014, pelo Banco Central do Brasil (Bacen).
Essa resolução exige a implantação de uma política de responsabilidade socioambiental pelas instituições para dar transparência à governança de temas sociais e ambientais, fortalecer a gestão de riscos e um plano de ação para implementação. Ela representou um importante passo à frente pela regulação do setor financeiro no País, ao sinalizar que questões de riscos socioambientais estarão cada vez mais presentes no dia a dia de bancos e outras instituições financeiras reguladas pelo Bacen.
Apesar de os bancos brasileiros, em sua maioria, já possuírem políticas transversais de sustentabilidade à época do lançamento da Resolução, o regulamento representa um marco do qual não será mais possível retroceder e que estará no futuro de todas as instituições financeiras brasileiras daqui para a frente.
Bancos centrais em vários países estão assumindo um papel mais ativo ao regrar ou incentivar a incorporação da sustentabilidade em seus sistemas financeiros. Na China, a Política do Crédito Verde restringe a concessão de crédito para empresas indicadas pelo Ministério de Proteção Ambiental. Em Bangladesh, o Banco Central apresenta um guia de risco de crédito que aborda questões socioambientais. São evidências de que tem havido cada vez mais uma convergência entre a alocação de recursos da economia e os princípios da sustentabilidade.
Outros atores
As pressões por um sistema financeiro verde não vêm apenas de mudanças regulatórias, mas de iniciativas independentes, como a da indústria de seguros, que têm desempenhado um papel importante no contexto da Economia Verde. Com o lançamento dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI), em 2012, pela Iniciativa Financeira do Pnuma (Unep-FI, na sigla em inglês), o tema dos riscos e oportunidades ambientais, sociais e de governança nesse setor tem se tornado cada vez mais critério para a tomada de decisão de seguradoras.
Antes da criação do PSI, os debates do ponto de vista dos investidores já vinham se aquecendo, com a liderança dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), desde 2006, uma rede internacional de investidores que busca entender as implicações de sustentabilidade nas práticas de decisão de investimento (veja mais no texto sobre Seguros).
Financiamento disponível, mas pouco acesso
Muitos atores têm articulado esforços para o avanço de um sistema financeiro verde. Mesmo assim alguns obstáculos a fluxos financeiros precisam ser identificados para evitar tropeços e atrasos nesse processo. Os setores de agropecuária e energia representam juntos um terço das emissões líquidas de CO2, de acordo com o Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa. O estudo do FGVces Como avançar no financiamento da Economia de Baixo Carbono no Brasil identificou os produtos e serviços oferecidos pelo sistema financeiro a esses setores para projetos que permitam a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, além disso, as regulamentações e incentivos relacionados a essas demandas disponibilizados pelos agentes governamentais.
Apesar da oferta de linhas especificamente para financiar projetos enquadrados na economia de baixo carbono, o volume de recursos captado por empresas e produtores ainda é baixo. Uma série de obstáculos dificulta o uso dessa verba.
Dentro das Instituições Financeiras, é preciso rever processos internos e capacitar os envolvidos em análise de projetos, análise de crédito e avaliação de risco para lidar com o tema da economia de baixo carbono. Políticas públicas, subsídios diretos e incentivos fiscais e financeiros podem também fomentar essa economia, além da articulação entre as diferentes instâncias governamentais. A pesquisa e desenvolvimento e apoios à comunicação, divulgação e capacitação de pequenos produtores e empreendedores também são elementos com potencial de destravar esses fluxos financeiros.
A mobilização de recursos financeiros para a Economia Verde implica uma série de recomendações, mas um elemento é central nessa estratégia: o trabalho conjunto e alinhado entre governo – responsável pelo arcabouço regulatório –, setor financeiro – que oferece produtos e serviços específicos – e setor produtivo – por meio do uso dos recursos disponíveis para implementar práticas no contexto da nova economia.