Por Eduardo Diniz e Lauro Gonzalez*
No início de novembro de 2015, teve lugar em Brasília o Fórum Banco Central de Cidadania Financeira – evento organizado pelo Banco Central do Brasil (Bacen) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) –, que já se tornou o principal espaço de discussão sobre a necessidade de ampliar o acesso e o uso de serviços aos menos assistidos pelo sistema financeiro.
O Fórum organizou-se em torno de quatro grupos temáticos, cada um com três oficinas montadas com mesas compostas por especialistas de diversos segmentos dos setores público e privado, da academia e da sociedade civil.
Das 12 oficinas, por uma questão de espaço, vamos destacar a de indicadores, na qual foi apresentado e debatido o Relatório de Inclusão Financeira (RIF) nº 3, edição 2015. Na mesma linha das duas edições anteriores, de 2010 e 2011, este novo RIF fornece um diagnóstico bastante amplo do acesso a canais e uso de serviços financeiros no País. Só por isso já pode ser considerado uma referência fundamental para todos aqueles interessados em monitorar o sistema financeiro nacional pelo alcance geográfico e demográfico de sua rede atendimento, e pelo volume e disseminação de transações e serviços entre a população.
O destaque do acesso continua sendo o correspondente bancário, principal canal a levar serviços financeiros para regiões mais remotas e menos favorecidas. Com mais de 200 mil correspondentes, esse canal representa 70% de todos os pontos de atendimento, embora concentre apenas 8% dos 50 bilhões de transações anuais registrados no sistema. Isso pode indicar que o potencial de utilização dos correspondentes ainda não está completamente explorado, apesar de sua enorme capilaridade.
Em contrapartida, o celular já é o canal por meio do qual 10% das transações bancárias foram realizadas em 2014, mais que o dobro de 2013. Importante dizer que canais remotos como o celular, caracterizados mais por consultas a saldos do que a transações como pagamentos e transferências, dependem da ampliação do acesso à internet para que possam se expandir e se tornar mais relevantes para a inclusão financeira.
No que se refere ao uso, o relatório surpreendeu com a indicação de que 85% da população brasileira tem algum tipo de relacionamento com instituições financeiras. Levando-se em conta apenas as contas que foram utilizadas nos últimos seis meses, esse índice cai para 72%, ainda alto se comparado com os 60% apontados nas pesquisas da Febraban.
Apesar de as metodologias serem diferentes e levando em conta que a Febraban não abarca instituições não bancárias, como as cooperativas, que só atendem a cerca de 4% da população, o número do Bacen parece alto e deve ser mais bem estudado para se entender com mais precisão a discrepância entre o acesso a uma conta de serviço no setor financeiro e o seu efetivo uso pelos cidadãos. Das contas simplificadas abertas, por exemplo, especialmente criadas para uso da população de baixa renda, menos de 60% são efetivamente utilizadas.
A novidade desse relatório fica por conta da forma como apresenta a terceira dimensão “qualidade” – que compõe, juntamente com as dimensões “acesso” e “uso” dos serviços financeiros, o tripé para descrever a evolução da inclusão financeira no País. A dimensão da qualidade procura identificar a relevância dos serviços e produtos financeiros do ponto de vista do cidadão. Por definição, deveria enfatizar o lado da demanda, enquanto as dimensões de acesso e de uso são tipicamente medidas no lado da oferta.
Considerando que o relatório foi construído a partir das bases de dados do próprio Banco Central, que coleta apenas informações dos bancos e de outras empresas do setor (portanto, no lado da oferta), a dimensão qualidade ficou restrita a informações sobre endividamento, comprometimento da renda e inadimplência. Ainda assim, merece especial atenção.
Pela dimensão qualidade pode-se identificar que cerca de 13 milhões de clientes entre os que têm renda de até 3 salários mínimos (38,2% dos tomadores de crédito dessa faixa) possuem um comprometimento em dívidas acima de 50% de sua renda. Cerca de um quarto desse segmento (24%) está endividado no rotativo do cartão de crédito e no cheque especial – 18% e 6%, respectivamente.
Isso demonstra um preocupante mau uso dos serviços de crédito – que possuem os juros mais altos do mercado – praticados entre a população de menor renda. Se o aumento de renda nas faixas sociais mais baixas ocorrido nos últimos anos ampliou o uso do cartão de crédito e contas especiais, esses clientes recém-incluídos no sistema financeiro parecem utilizar serviços que podem ser deletérios ao bem-estar, sobretudo quando ocasionarem sobre-endividamento.
Em busca de indicadores
Após a apresentação do 3º RIF, os debatedores nesta oficina foram convidados a fazer comentários para o aperfeiçoamento futuro dos indicadores de inclusão financeira. Primeiramente foi apontada a necessidade de aprofundamento dos dados de microempresas, cruzando-os com dados dos microempreendedores individuais (MEI). Isso poderia enriquecer a visão sobre inclusão financeira, já que o relatório do Bacen enfatiza mais a perspectiva dos cidadãos como indivíduos do que a dos pequenos negócios.
Outro comentário abordou a necessidade de investigar as relações entre dados das diferentes bases do Bacen. Enquanto os indicadores apresentados buscam as relações extraídas de bases isoladas, é provável que a qualidade do uso de um serviço tenha relação com o canal por meio do qual foi acessado.
Um terceiro comentário referiu-se à disponibilização de dados para que mais pesquisadores possam ter acesso a outros modelos de avaliação de inclusão financeira e construírem e testarem. Ainda que pairem questões de sigilo sobre os dados sensíveis das instituições financeiras, a possibilidade de haver bases de dados disponíveis a pesquisadores permitiria a construção de diferentes visões da inclusão financeira no País, além de ajudar na produção mais regular de relatórios como o RIF.
Por último, recomendou-se que sejam promovidas iniciativas de cruzamento sistemático de números do Bacen com dados socioeconômicos, em particular os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Esse cruzamento permitirá identificar melhor os benefícios da inclusão financeira, uma vez que esta é meio para se atingir o bem-estar social como verdadeiro fim.
*Professores da FGV-Eaesp e pesquisadores do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira (GVcemif)