Por Fernanda Macedo
Uma vez mapeados os recursos da Economia Verde e identificados os produtos e serviços para seu financiamento, é hora de investigar mais a fundo casos setoriais para ver de perto possíveis entraves financeiros e como removê-los.
O caso da agropecuária
No Brasil, a atividade econômica do setor agropecuário é a principal fonte emissões de gases de efeito estufa (GEE), respondendo por 62% do inventário nacional, segundo dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg) no relatório Análise das Emissões de GEE no Brasil (1970-2013) e suas Implicações para Políticas Públicas. Um pouco mais da metade dessas emissões é oriunda da conversão de floresta em pastos e agricultura. A outra parcela provém das emissões diretas da agropecuária, como a fermentação entérica e o manejo dos solos.
O Observatório ABC, lançado em 2013, é uma iniciativa coordenada pelo Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (GVAgro) e desenvolvida em parceria com o FGVces, voltada para a implementação do Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC).
Composto por um conjunto de ações, o Plano ABC busca reduzir as emissões de GEE na produção agropecuária, com metas estabelecidas até 2020 e em alinhamento com a Política Nacional sobre Mudança Climática e os compromissos assumidos pelo Brasil na 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção-Quadro do Clima, em 2009.
Esses compromissos incluem uma redução das emissões de GEE do setor agropecuário entre 133 milhões e 166 milhões de toneladas de 2010 a 2020, por meio de programas específicos para a recuperação de pastagens degradadas, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e Sistemas Agroflorestais (SAFs), o Sistema Plantio Direto (SPD), a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), as Florestas Plantadas, o Tratamento de Dejetos Animais, e a Adaptação à Mudança Climática.
No estudo Invertendo o Sinal de Carbono da Agropecuária Brasileira – Uma estimativa do potencial de mitigação de tecnologias do Plano ABC de 2012 a 2023, o Observatório ABC identificou que o potencial de mitigação das emissões de GEE da agropecuária brasileira é mais de dez vezes maior do que a meta estipulada pelo Plano ABC.
Entre 2012 e 2023, é possível chegar a 1,8 bilhão de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e), somando-se as emissões evitadas e o carbono armazenado no solo, apenas pela adoção de três das tecnologias preconizadas pelo ABC (recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta) em 52 milhões de hectares de pastos degradados.
No entanto, o trabalho também identificou que o programa ABC tem como uma de suas principais dificuldades a questão da regularização fundiária, um desafio estrutural no acesso ao crédito pelos produtores rurais, especialmente no Norte e Nordeste do Brasil. Uma vez que não há o título da propriedade, não há como comprovar garantias para obter crédito.
A má distribuição espacial do recurso também é um obstáculo, pois os desembolsos estão concentrados no Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, apesar de as demais regiões apresentarem grande potencial de mitigação.
Além disso, há algumas dificuldades de enquadramento e elaboração de projetos de agricultura de baixo carbono, pois, por um lado, os produtores carecem de assistência técnica qualificada que os auxiliem na elaboração dos projetos e, por outro, e o setor financeiro precisa avaliar tais projetos tecnicamente e não apenas seus itens financiáveis.
O monitoramento dos resultados também está comprometido, já que ainda não é possível avaliar a efetividade do Plano ABC sem a informação da quantidade de carbono equivalente mitigado com o desembolso do recurso, além do alto custo de observância das regras do programa e da taxa de juro estabelecida.
Portanto, há um longo caminho a ser percorrido rumo à transição para a EV, mas estudos e avaliações são fundamentais para garantir que a mudança se dê na direção correta.
O caso da energia
A indústria brasileira é responsável por 32,9% de toda a energia consumida no país. Um sistema financeiro que tenha como objetivo facilitar a transição para uma Economia Verde precisa ter em mente o peso deste setor e a importância de projetos de eficiência energética como uma maneira mais custo-efetiva de evitar emissões de GEE e incentivar ganhos de produtividade.
A União Europeia considera investimentos em projetos em eficiência energética como fundamentais e estratégicos. Nos Estados Unidos, o estado da Califórnia tem a eficiência energética como prioridade para novos investimentos em energia. O estudo Propostas para Implementação do Plano Indústria de Baixo Carbono, do FGVces, traz um panorama internacional das principais medidas de fomento à eficiência energética por meio dos investimentos.
No Brasil, há algumas barreiras que dificultam o financiamento deste tema no setor industrial. Por exemplo os altos custos desses investimentos e sua aprovação em diversas instâncias da hierarquia corporativa. Além disso, o alto nível de endividamento das empresas brasileiras também desestimula o investimento em novos projetos. A falta de conhecimento dos gestores sobre instrumentos financeiros para fomentar a eficiência energética na indústria também atrapalha o avanço do tema.
Do ponto de vista das instituições financeiras, a ausência de entendimento sobre alguns projetos e tecnologias de eficiência energética pode complicar o enquadramento de tais projetos nas linhas do banco e aumentar o chamado “custo de observância” por parte das instituições financeiras. Com isso, projetos de eficiência energética acabam por perder prioridade em relação a outros, como gestão em resíduos, recursos hídricos, energias renováveis etc.
É claro que as soluções a tais entraves não funcionam de forma isolada, e sim de forma integrada. Mas, para isso, é preciso que o governo veja o investimento em eficiência energética não como um custo a ser pago, mas sim como uma alocação estratégica para a segurança energética e de desenvolvimento da atividade econômica do País.