Por Fernanda Macedo
Os ecossistemas são ativos necessários para o crescimento econômico e o bem-estar da sociedade. Quando preservados, geram benefícios valiosos conhecidos por serviços ecossistêmicos, como a água doce, a polinização, o controle de erosão, a purificação do ar, a regulação do clima e a proteção contra riscos naturais.
Esses benefícios estão presentes não apenas na vida das pessoas, mas também servem de base às atividades do setor privado e da economia como um todo. Por isso, desconsiderar a influência dos processos produtivos sobre o equilíbrio desses ecossistemas pode trazer grandes prejuízos financeiros ou até mesmo inviabilizar os negócios. Quais critérios, então, os líderes empresariais deveriam considerar para tomar uma decisão quando cientes dos impactos que ela pode gerar sobre a natureza?
Algumas empresas têm investido em iniciativas de incorporação de impactos ambientais em seus processos de tomada de decisão. A Puma fez um projeto piloto para medir, valorar e relatar as externalidades causadas pela empresa. Intitulado “Puma’s environmental profit and loss account for the year ended 31 december 2010”, o projeto mostrou que, se essas externalidades fossem consideradas no lucro da empresa, seria necessário abater 70% do montante total, ou seja, 145 milhões de euros em custos de externalidades.
Esse resultado revela que os indicadores financeiros estão desconsiderando prejuízos que já estão acontecendo, mas atualmente caem na conta da sociedade, como poluição atmosférica e impactos na saúde. E, antes que essa conta não possa mais ser quitada, é possível, em diversos casos, utilizar metodologias de valoração econômica que permitem a governos e empresas calcular um valor monetário de alguns serviços ecossistêmicos que dão suporte à vida.
A técnica de valoração é um dos possíveis caminhos para incorporar os ecossistemas nos processos de tomada de decisão.
No Brasil, a iniciativa chamada Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE), criada em 2013 pelo FGVces, reúne um grupo de empresas e pesquisadores com o intuito de desenvolver um conjunto de ferramentas de apoio à gestão empresarial para a valoração de suas vulnerabilidades e impactos relacionados aos serviços ecossistêmicos, em especial as externalidades.
O objetivo principal desse grupo é criar um modelo de “MRV” de serviços ecossistêmicos, isto é, que permita às empresas mensurar esses ativos em suas atividades (“M” de mensuração), elaborar relatos que contenham essa informação (“R” de relato) e realizar uma verificação sobre a acurácia dos dados (“V” de verificação). A avaliação dos serviços ecossistêmicos nessa iniciativa é feita considerando-se três aspectos distintos: a dependência, o impacto e a externalidade.
Para as empresas, a dependência mapeia o grau máximo de exposição ao risco, por exemplo uma geradora de energia hidrelétrica ficar sem água. Se o risco tornar-se realidade, teremos o impacto, ou seja, a materialização desse risco no mundo real. Seguindo o mesmo exemplo, a falta de água geraria o impacto para a empresa de não ser capaz de gerar energia. Já a externalidade traz o risco do ponto de vista das partes interessadas, como a falta de água em uma bacia hidrográfica que foi demasiadamente demandada pela geradora de energia.
Para estipular os custos relacionados a esses três aspectos, a TeSE desenvolveu diretrizes de valoração econômica de serviços ecossistêmicos para as empresas, assim como uma ferramenta de cálculo, um compilado de estudos de casos e um modelo de como reportar os resultados dessa valoração, todos disponíveis em seu website. A ferramenta de cálculo possibilita a valoração de oito serviços ecossistêmicos: provisão de água, provisão de biomassa combustível, regulação da qualidade da água, regulação da assimilação de efluentes líquidos, regulação do clima global, regulação de polinização, regulação de erosão do solo e recreação e turismo.
Vale lembrar que valorar um serviço ecossistêmico em termos monetários pode não refletir a totalidade de sua importância para a sociedade. Por exemplo, no caso dos serviços culturais prestados pelos ecossistemas, há benefícios que não são captados pelos métodos econômicos, como os serviços da identidade espiritual que a natureza presta (leia aqui sobre diferença entre valor e preço).
Por isso, a Parceria Empresarial pelos Serviços Ecossistêmicos (Pese), iniciativa do World Resources Institute (WRI) em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em 2012, tem como objetivo central uma valoração qualitativa dos serviços ecossistêmicos, ou seja, uma classificação do nível de dependência em alto/médio/baixo e do perfil do impacto (positivo ou negativo) causado pela empresa sobre esses serviços. Com base nessa classificação, já é possível avaliar os riscos aos quais a empresa está sujeita.
Independentemente do resultado monetário ou qualitativo que essas metodologias apresentam, a preservação dos serviços ecossistêmicos é fundamental para garantir a existência dos negócios e da sociedade. Mas, se o caminho escolhido for a valoração, é preciso entender os métodos econômicos por trás dessas metodologias.
Metodologias possíveis
Para valorar, por exemplo, as externalidades negativas que afetam o serviço ecossistêmico de regulação do clima global, são consideradas as atividades de uma empresa que implicam a decomposição ou a queima de biomassa, bem como outras fontes de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Essas atividades geram externalidades negativas que contribuem para a mudança climática e suas consequências podem ser expressadas monetariamente pelo Custo Social do Carbono. Esse é um custo estimado dos prováveis impactos decorrentes da adição de uma tonelada de carbono na atmosfera. Tais impactos podem estar relacionados a produtividade agrícola, saúde humana, danos a infraestruturas públicas ou privadas etc.
Com base no custo social do carbono, é possível utilizar o Método de Custos de Reposição (MCR) para estimar a importância da regulação do clima global e como a alteração no funcionamento desse serviço ecossistêmico, que resulta na intensificação das mudanças do clima, impacta a sociedade. Também é possível entender o quão importante é manter uma floresta em pé, no caso de valorar as emissões que não ocorreram, como é o caso do desmatamento evitado.
O intenso lançamento da carga poluidora gerada pelas atividades de uma empresa em corpos hídricos pode afetar a capacidade do ecossistema de assimilar os danos e as consequências da degradação ambiental causada por esses efluentes. Assim, o lançamento de efluentes por uma empresa afeta a qualidade da água disponível para outros atores sociais, gerando uma externalidade negativa.
Para valorar essa externalidade, o Método de Custos Evitados (MCE) pode ser útil. O MCE é bastante semelhante ao MCR, com a diferença de que o MCE estima valores relacionados à prevenção de perdas para os negócios, enquanto o MCR calcula valores relacionados à recuperação dessas perdas. Portanto, no caso dos efluentes, presumem-se os gastos que seriam necessários para prevenir a perda de qualidade da água no ponto de lançamento desse efluente, por exemplo, através da instalação de um sistema de tratamento de efluentes. Essa abordagem pode ser relevante em um contexto estratégico de empresas que buscam investir em prevenção de riscos.
Mata ciliar e litros d’água
Há também casos de corporações que preferem tomar suas decisões de acordo com o chamado fator dose-resposta. Se uma empresa de geração de energia por hidrelétricas quiser garantir o fluxo de água em suas usinas, ela poderia se perguntar “qual a área preservada nas margens de um reservatório e na nascente são necessárias para garantir a provisão de “X” litros de água?”
Para essa análise, é preciso considerar que uma variação na quantidade ou qualidade de um determinado serviço ecossistêmico – a “dose” – implicará uma variação na produtividade da empresa – a “resposta”. Para isso, é possível utilizar o Método de Produtividade Marginal (MPM), também conhecido como Método Dose-Resposta (MDR), que se baseia na premissa fundamental de que o serviço ecossistêmico serve de insumo do processo produtivo de uma empresa.
Para os serviços relacionados ao uso de solo, por exemplo, os sistemas de Pagamentos por Serviço Ambiental (PSA) buscam recompensar o produtor que contribui para a manutenção de serviços ecossitêmicos por meio da preservação de uma área florestada como alternativa econômica às atividades produtivas.
No caso do PSA, portanto, pode ser utilizado o Método de Custo de Oportunidade (MCO), que busca definir o valor a ser pago pela adoção de práticas conservacionistas a partir da comparação com a renda que poderia ser obtida se, em vez de ser conservada, a área fosse utilizada para produção tradicional. Para incentivar o proprietário rural a mudar sua prática, o valor da alternativa ao cenário atual – ou seja, o pagamento pelo serviço ambiental – deveria ser superior ao valor que seria obtido pelo uso tradicional do solo.
De acordo com a TeSE, os serviços ecossistêmicos culturais menos complexos de serem valorados monetariamente são apenas os de recreação e turismo e, algumas vezes, o de inspiração cultural. O Método de Custo de Viagem (MCV) avalia a importância desse serviço levando em conta valores que as pessoas estão dispostas a pagar para fazer viagens de recreação, lazer e turismo. A premissa fundamental é que tais gastos refletem, no mínimo, os benefícios proporcionados por essas localidades aos seus visitantes que permitem atividades de recreação, lazer e ecoturismo.
Os métodos de valoração são ferramentas para facilitar a incorporação dos ecossistemas no processo de tomadas de decisão. Mas, como o valor de um serviço ecossistêmico vai muito além da objetividade, é preciso manter um diálogo constante com diversos stakeholders.
Para entender mais sobre como esses métodos econômicos são capazes de calcular o valor dos serviços ecossistêmicos, assista à videoaula.