Caixas-pretas na região amazônica levam riscos aos negócios, ao colocar o Brasil como vilão do desmatamento
Por Sérgio Adeodato
Foto: Bruno Kelly
Uma cortina de fumaça tomava conta do amanhecer daquela terça-feira plúmbea de setembro em Manaus, a maior metrópole da Amazônia. O “nevoeiro” indicava mais do que a expansão das queimadas no interior da floresta e os impactos ao clima global, à biodiversidade e saúde respiratória de quem já convive no dia a dia com o drama da Covid-19. Em 2019, a poluição do fogo causou pelo menos 2,2 mil internações em toda a região, metade relativa a pessoas com 60 anos ou mais – números que, em meio à imensidão verde, expõem desafios ainda ocultos para a maior parte da sociedade.
[Estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e da Human Rights Watch revela o custo de R$ 5,6 milhões para o sistema de saúde devido à fumaça das queimadas]
Entre 1º e 8 de setembro de 2020, os focos de calor no Amazonas aumentaram 170% em relação ao mesmo período do ano passado, e por trás da nuvem de fumaça há uma Amazônia obscura a ser desvendada. Nela, a riqueza natural convive com a desigualdade social e o submundo da violência e da ilegalidade: grilagem de terras, conflitos fundiários, tráfico de drogas, animais e pessoas, desmatamento. Mas a crescente exposição global pela demanda da mitigação climática joga holofotes na escuridão da floresta. E a necessidade de abrir portas e janelas para entender e resolver os seus problemas – que na verdade são de todo o planeta – pode tornar a região fiel sinalizadora do movimento de governos e empresas em torno de um tema essencial à sustentabilidade: o da transparência.
Uma das principais caixas-pretas da maior floresta tropical do mundo está nos garimpos, ou seja, na cadeia do ouro, diamantes e outros minerais – ativo que chama atenção pela valorização como lastro de reservas cambiais dos países e investimento na paralisia econômica global, devido à Covid-19. Com um alerta: quem compra alianças de casamento ou aplica em fundos baseados na rentabilidade do que sai dos garimpos da Amazônia tem alta chance de financiar impactos irreversíveis à floresta, com morte de rios e danos à saúde e à biodiversidade pela poluição do mercúrio, associado a esquemas de contrabando.
Ouro de tolo
A corrida do ouro move engrenagens da corrupção e violência onde muitas vezes impera a lei da selva, escondida pela realidade difusa do isolamento amazônico. Da origem na floresta ao mercado financeiro, indústrias de joias e exportações, o caminho do metal está aberto a processos de “lavagem” por meio de permissões falsas e outras operações fraudulentas.
“Não há sistema de controle como em outros ativos, e a fiscalização chega a ser bizarra, com notas fiscais de papel”, afirma Ana Carolina Bragança, procuradora da República no Amazonas. “Já na primeira aquisição nesta cadeia, o ouro ganha aparência de legalidade”, revela.
Faltam dados confiáveis e o resultado, não raro, é a exploração em áreas não permitidas, em reservas ambientais e Terras Indígenas, por exemplo. “Precisamos avançar na rastreabilidade do ouro, até porque os problemas mancham a imagem do mercado minerário como um todo”, recomenda a procuradora, integrante do Grupo de Trabalho (GT) Amazônia Legal do Ministério Público Federal (MPF).
Ela lembra que o cenário atual de pressões comerciais é propício a mudanças vindas do mercado, em especial por parte de empresas interessadas em separar o joio do trigo e, assim, tirar vantagens na competição com a ilegalidade. A Associação Nacional do Ouro estima que pelo menos dois terços da produção brasileira seja ilegal.
Por lei, a atividade requer a Permissão de Lavra Garimpeira, conferida pela Agência Nacional de Mineração (ANM); licenciamento ambiental pelo município, estado ou União, dependendo do porte do empreendimento; e notas fiscais emitidas pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Minerários – representadas pelos postos de compra situados nos garimpos, de onde o ouro segue para o mercado.
A consequência da falta de controle é o crescimento de conflitos com povos indígenas e tradicionais, em locais de potencial para extração. Nos últimos dez anos, a ANM registrou 656 processos minerários nesses territórios, com tendência de alta. Além dos Munduruku, no Pará, os pedidos se concentraram nas terras dos Kaxuyana e dos Kayapó, ambos também no Pará, e dos Yanomami, em Roraima e no Amazonas, segundo divulgado pela Agência Pública.
Os garimpeiros de hoje estão longe da imagem romântica do trabalho manual com bateia e peneira. Eles usam maquinário pesado, de maior capacidade destrutiva, para explorar o ouro primário, mais abaixo da superfície, pois acima dela as jazidas já se esgotaram. Basta ver a movimentação do porto de Itaituba (PA), no Rio Tapajós, segundo maior município brasileiro produtor de ouro, atrás de Paracatu (MG). A cidade do oeste paraense, na Rodovia Transamazônica, é conhecida por abrigar a maior revendedora de uma multinacional de retroescavadeiras, tratores e outros equipamentos, em parte financiados por bancos públicos e privados.
“Um movimento novo está ocorrendo na região: a confluência de interesses de garimpeiros, mineradoras, grandes comerciantes e agronegócio, que antes mantinham certa distância e hoje se sentem empoderados pelo discurso do governo federal”, constata Alfredo de Almeida, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas. O projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, coordenado por ele, mapeou a mineração e o garimpo em Terras Indígenas: a Amazônia é o epicentro, na esteira da diminuição da fiscalização ambiental sobre a atividade. “O País não toma pé do que está acontecendo e hoje a transparência é punida como crime por quem tem interesses contrários”, lamenta o pesquisador.
[A mineração desmatou em 2019 e 2020 mais do que a soma dos três anos anteriores, com liderança do Pará, segundo dados dos alertas do Deter/Inpe]
“O garimpo quer se legalizar, mas não assumir a responsabilidade decorrente disso”, concorda Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, que enviou uma proposta à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para a garantia do lastro ambiental ao ouro brasileiro. Um levantamento de dados públicos, desenvolvido pela organização, inspirou campanha nas redes sociais dirigida a compradores: “Seus brincos dourados podem ser tão pesados quanto uma floresta. Consegue lidar com isso?”, dizia uma das mensagens.
A análise revelou os maiores arrecadadores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), as concessões de lavras garimpeiras e os impactos econômicos e ambientais. Em 2020, até o fim de julho, foram exportadas 54,9 toneladas de minério de ouro (US$ 2,5 bilhões), com crescimento de 30% em relação a janeiro.
Nó da madeira
“Ter informação não é suficiente; é preciso utilizá-la”, observa Renato Morgado, coordenador do Programa de Integridade Socioambiental da Transparência Internacional Brasil, em recente webinar sobre o setor florestal. Para ele, o uso de dados serve não apenas ao controle e punição, mas como oportunidade de mercado, com a valorização de quem adota padrões sustentáveis.
Com a Constituição Federal de 1988, a Lei de Acesso à Informação (2011), o Novo Código Florestal (2012) e a Política Nacional de Dados Abertos (2016), o Brasil, segundo Morgado, está bem municiado de marcos legais relacionados à transparência. “Mas há bases de dados não integradas ou totalmente disponíveis”, ressalva.
Um dos problemas mais visíveis consiste no controle da madeira nativa: 75% da produção de toras do Pará e 44% do Mato Grosso é ilegal, ou seja, é lastreada por autorizações irregulares que esquentam o produto obtido de maneira predatória em terras públicas e outras áreas proibidas, segundo o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), mantido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
[Dados do Banco Mundial indicam que o mundo perde US$ 15 bilhões por ano em impostos que deixam de ser arrecadados devido à exploração ilegal de madeira]
Rastreabilidade da carne
A preocupação em desatar nós da transparência ocupa o centro do debate na pecuária – principal vetor de desmatamento e emissões de gases de efeito estufa . A rastreabilidade da carne requer acesso a dados completos da Guia de Transporte Animal (GTA), inclusive para controle dos fornecedores indiretos dos frigoríficos, ainda desprovidos de controle seguro (mais nesta reportagem).
Há caminhos em testes no mercado. “Mas a prioridade deve ser o fomento do diálogo e transparência, que trazem luz a essa complexidade”, afirma Isabel Drigo, coordenadora de cadeias agropecuárias e florestais do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). “Sozinhos, os grandes frigoríficos não resolverão o problema do desmatamento pela pecuária”, adverte.
No projeto Boi na Linha, a ONG harmonizou protocolos e critérios para monitoramento e auditoria dos compromissos assumidos por frigoríficos de todos os portes que operam na Amazônia, de modo a não comprar de áreas desmatadas. A ideia é promover engajamento e melhores práticas, diminuindo impactos ambientais e sociais, como o trabalho análogo à escravidão.
O Termo de Ajuste de Conduta (TAC) da Carne, firmado em 2009 junto ao MPF, abrange hoje 89 frigoríficos que compram gado na Amazônia, entre os 115 existentes na região, sem contar os do Acre. Dos signatários, 55% foram auditados. “Não adianta só assinar um papel e achar que a crise está resolvida”, completa a coordenadora, ao lembrar que a pressão internacional impacta principalmente o produto exportado, em especial para a Europa, e grande parte do desmatamento causado pela pecuária está associada a frigoríficos de menor porte que fornecem ao mercado interno.
Novo consumidor chinês
O que acontece com os gigantes da carne, no entanto, resvala no mercado em geral. “Está surgindo um novo consumidor chinês, que vincula cada vez mais a saúde ao meio ambiente, após a Covid-19”, atesta Fabiola Zerbini, diretora regional da Tropical Forest Alliance (TFA). A organização iniciou
rodadas de diálogo entre Brasil e China sobre pecuária sustentável, envolvendo autoridades de governo, empresas exportadoras, bancos financiadores e ONGs.
[A iniciativa abrange também cacau com selo de origem amazônica e soja beneficiada por Pagamento por Serviços Ambientais]
O objetivo é construir um mapa de rotas baseado em acordos, para então se chegar a um case (projeto demonstrativo) bilateral em que rastreabilidade e intensificação produtiva são temas centrais. “O governo chinês tem demonstrado claramente o propósito de alimentar a população com segurança e critérios de sustentabilidade, e no mínimo separar o ilegal do legal”, afirma Zerbini.
“Tecnologias existem e com custo viável”, destaca Carlos Souza, diretor da empresa Terras, de Belém (PA), voltada a sistemas de imagens de satélite que apoiam bancos na análise de riscos para crédito rural sem desmatamento. A tecnologia está sendo refinada para que produtores rurais obtenham facilmente comprovantes de conformidade ambiental no telefone celular, e possam abrir portas em mercados preocupados com a origem do gado.
[Desde setembro de 2018, o sistema subsidiou a análise de 70 mil propostas de crédito pelo Banco da Amazônia, sendo que metade foi reprovada por problemas socioambientais]
Atualmente, segundo Souza, o aumento do desmate se deve mais a fatores especulativos do que produtivos, com ocupação de novas fronteiras em terras públicas e áreas protegidas. Tecnologias ágeis e precisas detectam o problema, mas há barreiras culturais, burocráticas e administrativas para maior escala do controle. “Instituições financeiras precisam internalizar essas ferramentas, porque o controle passará de nicho a obrigação, e será necessário disponibilizar informação segura sobre os compromissos para a sociedade.”
Engajamento dos bancos
A transparência sobre a origem do gado com desmatamento zero é prioridade na agenda proposta para a Amazônia pelos três maiores bancos privados brasileiros – Bradesco, Itaú e Santander –, diante dos riscos econômicos da imagem do País como vilão da mudança climática. Em setembro, a aliança entregou um manifesto com dez propostas ao Conselho Nacional da Amazônia Legal e criou um grupo consultivo de especialistas para implementá-las – um sinal claro de que a preocupação saiu da bolha ambientalista e aterrissou no mundo financeiro.
“Estamos no epicentro das cadeias produtivas, da fazenda ao garimpo, e no que elas representam para o futuro dos nossos negócios”, disse Sérgio Rial, CEO do Santander, em recente seminário virtual sobre a iniciativa. Ele sublinhou: “São cadeias globais estratégicas e a Amazônia é a grande reguladora de possibilidades para o Brasil continuar líder no agronegócio”. Na visão do executivo, renovar a estrutura de coerção e fiscalização é urgente, porque hoje “a possibilidade de ganho com ouro, por exemplo, é muito maior do que o risco de ser preso”.
Karine Bueno, superintendente executiva de sustentabilidade do banco, explica que a transparência se dará por meio de devolutivas à sociedade e uso de dados públicos na gestão de riscos. No agronegócio, em expansão nas operações da empresa, foi construído um sistema de monitoramento 24 horas por satélite. “Com o compromisso público, a responsabilidade na execução aumenta”, enfatiza Bueno, informando que o plano conjunto dos bancos será pragmático.
Tão logo o anúncio ganhou eco na mídia, reportagens apontaram que instituições financeiras do Brasil e exterior destinaram R$ 235 bilhões à criação e ao abate de gado na Amazônia, entre 2016 e abril de 2020, segundo estudo global do Forests and Finance (F&F).
“O desmatamento da Amazônia afeta toda a economia e as medidas agora propostas pelos bancos precisam ser de curto prazo para não prevalecer o discurso do Presidente da República, que já reflete na contínua expansão da grilagem em novas fronteiras”, alerta Paulo Barreto, pesquisador do Imazon.
Riscos à imagem
A iniciativa dos bancos soma-se a outros movimentos empresariais que fizeram périplo nos gabinetes do poder em Brasília, nos últimos dois meses. “Defendemos uma agenda de Estado; uma chamada a ações pelo setor privado com metas, indicadores e resultados concretos na redução do desmatamento”, destaca Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A organização divulgou comunicado ao Executivo, Legislativo e Judiciário em que ressalta a preocupação com o impacto da imagem negativa do Brasil nos negócios, devido às questões socioambientais da Amazônia. “Não dá para fazer mais do mesmo”, reforça Grossi.
Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, integrante do movimento, vai além: “Somente o protagonismo do setor privado, pela capacidade de investimento, vai tirar a Amazônia do buraco, mas isso só acontecerá dentro de um processo de transparência que garanta a segurança jurídica”. Entre o legal e o ilegal, diz o empresário, existe o informal, “que é gigantesco na Amazônia e desfavorece investimentos”. Ele pergunta: “Quem faz a coisa correta está querendo esconder o quê?”.
Em igual caminho, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, formada por mais de 300 representantes do agronegócio, setor financeiro, sociedade civil e academia, entregou documento ao governo federal com seis propostas para a queda rápida do desmatamento, e uma delas pede “total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação”. As recomendações vão da retomada da fiscalização à destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável e concessão de financiamentos sob critérios socioambientais.
Na Amazônia, há uma peculiaridade marcante: “O paradoxo entre a clareza dos dados territoriais sobre ocupação e uso do solo, que é um movimento inexorável devido às imagens de satélite, e as obscuras transações que acontecem na região, impactadas por uma grande nebulosidade de mentiras e falsas verdades”, avalia Roberto Silva Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú, e integrante de Uma Concertação pela Amazônia. A iniciativa articula mais de 100 lideranças da academia, sociedade civil e iniciativa privada, visando a construção de sinapses entre diferentes pontos de vista e o engajamento fundamentado em informação de qualidade.
De acordo com ele, o futuro da região depende dessa abertura de caixas-pretas e a solução é basicamente política. Dessa forma, “o caminho está no envolvimento da sociedade pelo poder de voto, já agora nas eleições municipais, e pelo sentimento coletivo de desonra face à destruição da floresta”, completa Waack, para quem a pressão comercial, na forma de boicote, pode ser uma armadilha.
Não falta tecnologia, mas ação
Hoje em dia, não há como esconder problemas diante dos avanços na inteligência artificial e dos inúmeros pesquisadores abastecidos por imagens de satélite mundo afora – sem falar do poder de replicação das redes sociais. “O desafio é muito mais de ação do que de informação”, atesta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
Barreiras do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para acesso a dados de identificação dos proprietários, por exemplo, não impedem o poder público e a iniciativa privada de agir. “Não é preciso esperar uma área ser embargada para reter crédito a quem desmata”, ilustra Azevedo, ao lembrar que qualquer um pode facilmente receber relatórios de imagem de satélite sobre desmatamento, seja onde for. “Há um processo político em curso de dificultar esse monitoramento, mas, entre os seis sistemas existentes no País, o único sem acesso aberto é o do Ministério da Defesa”, explica.
Enquanto, há uma década, o Ibama recebia 1 mil relatórios por ano baseados em alertas dos sistemas de monitoramento, agora são 100 mil, o que representou 2 milhões de hectares de desmatamento, no ano passado. No entanto, o dado de quantos efetivamente resultaram em medidas práticas de fiscalização só é disponibilizado pelo governo federal via Lei de Acesso à Informação.
Estudo realizado pelo Imaflora mostrou melhora na abertura de dados em clima, floresta e agricultura entre 2017 e 2020, no Brasil. “De que adianta isso, se na prática houve redução da fiscalização?”, questiona Leonardo Sobral, gerente de certificação florestal da ONG. Faltam dados transparentes sobre ações de controle. O que existem, diz, são apenas “indícios sobre o seu enfraquecimento, como o corte de verbas e a desconstrução do setor”. A reportagem da Página22 não obteve retorno do Conselho Nacional da Amazônia para a questão até o fechamento desta edição.
Só não vê quem não quer
Não há desculpa tecnológica para não agir, embora tanto a Vice-Presidência da República como o Ministério do Meio Ambiente insistam no projeto de comprar nova tecnologia para monitorar o desmatamento.
Funcionários do Ibama de longa experiência na fiscalização da Amazônia, que preferiram não se identificar, questionam: “Para que um outro sistema, se o problema é não querer enxergar?”. Reduzir o desmatamento, segundo explicam, exige vontade política, estrutura de coerção e inteligência, e duas estratégias que consideram fundamentais: “descapitalizar” e “dissuadir” futuros infratores com exposição das operações de campo na mídia.
Apesar da existência de bases de dados abertos, públicos e gratuitos, é difícil traduzi-los para a sociedade como um todo – e, junto a essa complexidade, se vê um ambiente de guerra entre informação e desinformação.
Fake news, fatos distorcidos e outras artimanhas de marketing povoam comunicados oficiais, como no episódio do transporte de garimpeiros ilegais em avião da Força Aérea Brasileira para reunião no Ministério do Meio Ambiente em Brasília, ou então na divulgação de vídeos que mostravam o mico-leão-dourado para provar que o País protege a Amazônia, enquanto essa espécie de primata só habita a Mata Atlântica.
O aumento do desmatamento e das queimadas, que neste ano assolaram não somente a Amazônia como, principalmente, o Pantanal, coloca em xeque o acordo União Europeia e Mercosul, que poderia trazer investimentos de US$ 580 bilhões, em dez anos, para o agronegócio brasileiro. Junto com o esforço de mostrar ao mundo que “o Brasil é o país que mais protege florestas” vieram queixas a pesquisadores do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) pelas informações da destruição ambiental. Dados que o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, qualificou como vazados, embora sejam públicos e abertos, disponíveis a qualquer brasileiro na Internet.
O acesso é fácil e rápido, a apenas um clique, na plataforma do Programa Queimadas, do Inpe. Em 2020, até 21 de setembro, o Brasil havia registrado exatos 147.279 focos de calor, 48,7% na Amazônia, a maior parte no Mato Grosso. “Bastam três dias sem chuva em Manaus para a fumaça da mata queimada aparecer e a garganta arder”, conta o geógrafo Carlos Durigan, diretor do WCS Brasil, ONG voltada à conservação e manejo de recursos naturais, sediada na capital amazonense. Estudo da Nasa mostrou que 65% das áreas com focos de queimada este ano foram desmatadas em maio e junho de 2020.
A mudança climática agrava o fenômeno. Em pouco tempo, a poeira preta da fuligem cobre móveis e objetos das casas, mas prevalece a ideologia da negação. “Quem reclama das queimadas é acusado de jogar contra o País”, diz o geógrafo, há 26 anos na Amazônia. Um dia, quando a neblina passar e as mentes se abrirem, a espécie humana enfim verá a importância do momento que vivemos.