Por Amália Safatle _ Foto: Divulgação
Muito bem-vindo, necessário, mas não suficiente. O setor financeiro era uma parte que faltava na equação da sustentabilidade e seu recente ingresso traz um ganho relevante na medida em que evidencia riscos e oportunidades da atividade empresarial. No entanto, o ESG deve ser encarado a partir das demandas da sociedade e não das empresas, e claramente dar respostas a desafios como pobreza, desigualdade, racismo, clima, poluição, perda de biodiversidade. Esta é a visão de Fabio Feldmann, do alto de uma larga experiência no movimento ambientalista, no Executivo, no Parlamento e em assuntos climáticos.
Para ele, o ESG deve também considerar o fator político. “Para uma boa governança dos nossos temas, é preciso um Estado inteligente e preparado, que trabalhe com regulação.” Isso leva à regulação política, ou seja, aos parlamentos. Aqui Feldmann vê uma oportunidade de separar o joio do trigo e identificar empresas que se dizem comprometidas com a sustentabilidade mas que, na sua ação política, apoiam iniciativas que vão na contramão.
O ambientalista chama a atenção das empresas que ainda recaem em equívocos como o greenwashing, esquecendo-se que o cerco está se fechando especialmente nos mercados internacionais. A busca de materialidade é uma forma de a empresa traçar planos de ação objetivos a respeito dos impactos que causa. Mas, associado à materialidade, ele defende o diálogo franco da empresa com a sociedade e seus stakeholders, reconhecendo que aquilo que faz não é suficiente. “Esse compromisso eu chamaria, em uma linguagem climática, de adicionalidade. Ou seja: estou nesta linha de base e prometo melhorar. Porque, se não, vira conversa fiada”, diz.
Perfil: Administrador de empresas e advogado, atua como consultor em sustentabilidade. Foi deputado federal por três mandatos consecutivos (1986-1998) e participou como deputado constituinte da Constituição de 1988, responsável pela elaboração do capítulo destinado ao meio ambiente. Foi secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo (1995-1998) e membro oficial da delegação brasileira nas Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (1997-2002). Em 2000, juntamente com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, criou o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Também foi secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade. No movimento ambientalista desde 1980, participou da fundação da Oikos, da SOS Mata Atlântica, do Instituto GEA e da Fundação Onda Azul. Foi membro do primeiro conselho da Global Reporting Initiative (GRI).
Assista aqui a trechos em vídeo desta entrevista e leia o conteúdo completo a seguir.
O ESG traz o mundo das finanças para a sustentabilidade, o que ajuda muito a colocar o assunto no mainstream. Ao mesmo tempo, essa abordagem mais financista, se ficar dominante, pode atrapalhar uma visão mais sistêmica, integrada e humanista?
A grande novidade nas nossas questões [da sustentabilidade] é o engajamento do setor financeiro, basicamente no tema da mudança do clima. Isto tem ocorrido de uns anos pra cá, inclusive com bancos centrais se envolvendo na temática e criando grupo de trabalho, e a obrigatoriedade das empresas em divulgar os seus riscos climáticos. O ex-presidente do Banco da Inglaterra [Mark Carney] teve uma liderança relevante em colocar esta agenda para o setor financeiro, para os bancos centrais e com isto contaminou, digamos assim, os bancos centrais do mundo inteiro. Isso é importante porque o setor financeiro se manteve totalmente distante dos nossos temas nos últimos anos.
É um ganho o setor financeiro ter entrado nesta questão, entretanto, não acho que seja suficiente. O ESG deve ser encarado a partir das demandas da sociedade e não das empresas. Por exemplo, se o tema dos plásticos nos oceanos é real e de dimensão global, cabe à indústria da moda e têxtil dizer qual é o seu papel na solução do problema, uma vez que as roupas que usamos contêm grande quantidade de micro e nanoplásticos.
No caso de poluição do ar, hoje considerado o maior problema de saúde no mundo pela OMS [Organização Mundial da Saúde], temos um claro exemplo no Brasil de contradições entre os compromissos existentes nos relatórios de sustentabilidade das grandes empresas e a realidade. A Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores] ostensivamente procura a flexibilização das regras do Proconve [Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores], por exemplo, e a Mercedes-Benz mantém no Brasil uma fábrica de motores defasados ambientalmente para exportação para África e América Latina. Isso para não falar da fraude praticada pela Volkswagen e demais montadoras no que tange aos seus reais padrões de emissão.
Ainda em relação à Petrobras, a empresa adquiriu blocos de petróleo da BP – a responsável pelo desastre no Golfo do México – na foz do Amazonas e está em busca de um licenciamento ambiental diferenciado: exploração de energia fóssil, isso após os últimos relatórios do IPCC e considerando que essa é uma área extremamente vulnerável do ponto de vista ambiental, com consequências dramáticas face a possíveis acidentes de derramamento. Hoje os empreendimentos imobiliários são ditos sustentáveis, mas será mesmo?
No caso da construção civil, precisamos lembrar que duas matérias-primas representam desafios: cimento e areia. O cimento é um dos setores com maior contribuição na emissão de gases de efeito estufa. A areia, por sua vez, tem apresentado cenários de escassez mundial e, no Brasil, a sua extração, na maioria das vezes, é ilegal. O ESG deveria claramente dar respostas aos desafios da sociedade: pobreza, desigualdade, racismo, clima, poluição, perda de biodiversidade. Cada empresa de acordo com seu campo de atuação, ou seja, Sabesp, Cedae etc., enfrentando os impactos do clima no regime hidrológico com medidas práticas, a exemplo de investimentos em restauração florestal e invasão de mananciais.
O conceito do ESG não é novo, e os problemas ambientais, sociais e de governança menos ainda, mas a sigla virou uma febre. Essa onda é uma grande oportunidade de avançarmos de forma mais prática na agenda da sustentabilidade, ou há riscos de embarcarmos em mais um modismo com poucos resultados efetivos?
Muitas empresas estão equivocadas ao tratarem do assunto como marketing, esquecendo que a União Europeia está exigindo apresentação de planos de implementação logo mais. Assim, os riscos reputacionais e de acesso ao mercado europeu de quem não levar a sério essas questões certamente é muito sério. E a prática de greenwashing poderá trazer consequências concretas e mesmo judiciais, com base na Resolução do Conar surgida após o polêmico caso de enxofre no diesel nacional envolvendo a Petrobras. Quem fizer publicidade enganosa, além de sofrer questionamentos no âmbito do Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária], poderá se sujeitar a condenação por danos morais coletivos.
Em um próximo governo – certamente não o de Bolsonaro –, essas temáticas estarão na pauta da CVM, a exemplo da SEC [Securities and Exchange Commission] nos Estados Unidos, e do Banco Central, de modo que tratá-las como marketing, filantropia e não como estratégia de longo prazo poderá trazer questionamentos comprometedores.
A materialidade, que é tema desta edição, tem como intuito identificar o que realmente importa na agenda das empresas, o que pode inibir o greenwashing.
É preciso aprofundar a discussão do ESG em relação à empresa e ao setor empresarial no qual ela se insere. Pois o que pode ser muito relevante para um setor pode ser pouco para outro. Tempo atrás, fui consultado sobre uma empresa de serviço que queria trabalhar com sustentabilidade e gostaria de criar uma área de ESG. Só que é uma empresa de serviço, então a energia que ela consome não é relevante, não tem uma grande materialidade. Talvez o aspecto mais importante do ESG para essa empresa seja o fato de ser uma grande usuária de mão de obra, o que requer uma estratégia de recursos humanos para garantir diversidade e participação de minorias.
Outro aspecto para o qual já tem muita gente chamando a atenção são os compromissos net zero que as empresas estão fazendo para 2040, 2050 – datas muito longínquas do ponto de vista do que tem que ser feito. Daqui até lá tem muito tempo, e nós também precisamos ter mais clareza do significado da expressão carbono neutro. Porque quando as pessoas se referem a carbono neutro nem sempre estão falando das mesmas coisas, dos mesmos critérios, das mesmas metodologias. E associada à materialidade tem que haver uma questão de ambição.
A empresa precisa ter um diálogo franco com a sociedade e com os seus stakeholders, reconhecendo que o que faz não é suficiente. E eu não sinto esta conversa quando eu falo em ESG. Esse compromisso eu chamaria, em uma linguagem climática, de adicionalidade. Ou seja: estou nesta linha de base e prometo melhorar. Porque se não vira conversa fiada.
Para saber se as empresas estão levando ESG seriamente, alguns especialistas apontam alguns elementos. Os Conselhos estão preparados para avaliar o desempenho da empresa no que tange às temáticas sociais, ambientais? O modelo de governança reflete a incorporação dessas dimensões? Existem mecanismos de recompensa para os executivos com melhor desempenho? Como a empresa está organizada para tratar dessas temáticas? Elas estão inseridas no modelo de negócios de longo prazo ou na área de marketing ou comunicação?
O senhor vê alguma razão para o mundo das finanças ter acordado somente agora para para assuntos que a academia e as organizações da sociedade civil têm alertado há muito tempo? Seria porque chegamos em um ponto muito crítico e de alto risco?
Em relação à mudança do clima, estamos realmente em um ponto muito crítico. E aí acho que o tema do risco fica muito relevante porque, a continuarem os cenários que a comunidade científica tem mostrado, a mudança do clima vai afetar e já está afetando o mundo dos negócios, como o agronegócio e a infraestrutura, com o aumento dos desastres naturais. E ainda temos outras crises, como a da biodiversidade. Mesmo com todos os esforços da sociedade civil, da comunidade acadêmica, da mídia, os cenários são muito pessimistas. Quase nada melhorou nos últimos 30 anos.
O que melhorou foi o reconhecimento da sociedade civil e a capacidade da sociedade civil de produzir informação séria, mas não há um relatório sobre nossos temas que não tenha indicado uma situação cada vez mais dramática. Isso gera a crise da nossa geração em relação aos resultados. Ainda temos uma janela de oportunidade, mas desde que consigamos traduzir em ação o que temos falado nesses últimos anos.
E no Brasil ainda temos toda a questão da desigualdade social, não é?
A desigualdade social está crescendo no mundo inteiro. Inclusive em todos os países, mesmo nos Estados Unidos, que continuam sendo a primeira economia do mundo. Na China também há o desafio da desigualdade social, além do combate à pobreza. Certos temas estão ganhando importância no mundo, como o racismo, e no Brasil, como o racismo estrutural – o que vejo com bons olhos porque obriga uma reação da sociedade. Mas o fato é que os nossos cenários são muito desanimadores.
É uma peculiaridade brasileira juntar a agenda social com a ambiental?
Há uma mudança importante na percepção dos problemas. O conservacionismo ambiental, como era pensado até as décadas de 1970 e 80, hoje está positivamente influenciado pela necessidade de discutir a questão social. Ainda assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] muitas vezes são conflitantes entre si. E aí a gente tem uma dificuldade de mentalidade. O mainstream ainda não entendeu que o crescimento econômico não é desenvolvimento, ainda que se fale em desenvolvimento sustentável.
No ESG parece faltar uma vertente decisiva para que todas as agendas aconteçam, que é a política. A governança é entendida dentro dos muros das empresas, mas não extrapola para uma boa gestão pública e decisões políticas, como se as empresas operassem em uma bolha, sem contato com o mundo externo. O sr. concorda com esta visão?
Concordo inteiramente e acho, inclusive, que, para uma boa governança dos nossos temas, é preciso um Estado inteligente e preparado, que trabalhe com regulação. Existem algumas iniciativas em curso, mas eu acho que a gente vai fazer o teste de coerência de muitas empresas quando elas tiverem que se posicionar, por exemplo, em medidas como a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] fazendo o que a SEC faz há anos, que é obrigar as empresas que operam em bolsa a fazer o disclosure de seus passivos ambientais. E o Brasil avançou muito pouco nisso.
Dou esse exemplo porque uma coisa é certa: nós teremos de mudar o perfil do poder público brasileiro no sentido de que ele tem que empregar novas estratégias, inclusive inteligência artificial e novos mecanismos. O Estado brasileiro terá muitas dificuldades em financiar, por exemplo, agências ambientais. Uma regulação da CVM é bem-vinda porque vai obrigar as empresas a um disclosure dos seus passivos ambientais e, com isso, a fazerem frente a esses passivos. E aí teremos como fazer a prova dos nove. Essas empresas todas que hoje se dizem totalmente sustentáveis e comprometidas com a sustentabilidade terão de entender que regulação, em alguns casos, é o caminho necessário. Não basta voluntarismo, você vai ter que trabalhar com regulação.
E isto vai a outra questão que é a regulação política, que são os parlamentos. Você veja que não só o governo Bolsonaro é um desastre, mas a Câmara dos Deputados tem sido totalmente insensível aos temas da nossa agenda. Aprovou, por exemplo, a lei geral de licenciamento, que tem como objetivo principal dispensar do licenciamento uma série de atividades, criar um autolicenciamento altamente controvertido, a Lei da Grilagem… Esse é um aspecto importante porque o Parlamento tem que, de certa maneira, estar mais voltado para a sociedade do que a alguns interesses, inclusive empresariais, de diminuir a eficácia do licenciamento. Aí está a oportunidade de separarmos o joio do trigo, ou seja, empresas que se dizem comprometidas com a sustentabilidade mas que, na sua ação política, apoiam iniciativas contra a sustentabilidade. Temos enormes passivos ambientais que são solenemente ignorados, desconhecidos, e temos de enfrentar.
E o setor empresarial tem, sim, uma responsabilidade clara de reconhecer esses passivos e traçar estratégias para diminuí-los. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa questão está resolvida há anos. O mundo caminha nessa direção, mas aqui há uma enorme resistência quando se trata deste assunto. No Brasil, infelizmente, este governo significa o atraso. Ninguém de nós imaginaria que o Brasil pudesse viver um governo em que o presidente foi eleito apesar de ter se manifestado em favor da tortura, desmontado os órgãos ambientais e tudo que já conhecemos. Agora, a tendência mundial é um vetor de pressão muito grande, e temos de saber utilizar isto.
No Brasil também tem espaço para alianças estratégicas importantes, entre um setor empresarial mais cosmopolita, a sociedade civil, e o próprio poder público, para que líderes do poder público possam defender ou promover mudanças com o apoio da sociedade. Sem isso, fica muito difícil. Existe um espaço que podemos aproveitar e eu acho que vai depender muito do resultado eleitoral do ano que vem, mas eu acho que depois de [a realização da COP 26 em] Glasgow, essas tendências serão fortalecidas e o Brasil não poderá ficar fora disso.
Em relação aos ataques à democracia que temos visto neste governo, como isso afeta os negócios do setor privado?
O agronegócio teve que se mobilizar no início do governo Bolsonaro contra a possibilidade de o Brasil sair do Acordo de Paris, o que poderia afetar seus negócios. Em algumas outras ocasiões, o setor privado também se posicionou, muitas delas com muita timidez. Pessoalmente acho que o setor empresarial tem plena consciência de que qualquer potencial ameaça à democracia teria um efeito perverso e dramático sobre o País. Você consegue imaginar como ficaria o Brasil perante a comunidade internacional com uma ruptura do sistema democrático? E perante os mercados internacionais?
O setor empresarial teve um posicionamento contra o voto impresso com assinaturas expressivas de gente importante, mas precisamos ir além. O que está em jogo nesta altura dos acontecimentos pode afetar, como estou dizendo, dramaticamente o Brasil. Não acho que a elite econômica queira entrar em uma aventura. Agora, é importante que o setor empresarial tenha uma posição firme na questão do Estado de Direito, da democracia e das instituições. Eu, que fui constituinte, posso dizer que este governo mostrou claramente como é importante ter uma Constituição que defenda a democracia e instituições como o Supremo Tribunal Federal.
O ano de 2022 será um ano muito importante para nós, e acho que teremos mudanças positivas nas eleições. O Brasil já está pagando uma conta enorme por conta do desgoverno do Bolsonaro, em todos os sentidos. Não tem uma área em que você não fique surpreso. E o Brasil tem uma agenda legislativa muito importante, inclusive de regulamentação da Constituição.
A Constituição Brasileira foi promulgada em 88 e, pessoalmente, acho que o País precisa de uma lei por bioma. Uma lei para a Amazônia, uma lei para o Pantanal, uma lei para a Serra do Mar. Porque hoje o único bioma protegido por lei é a Mata Atlântica e, ainda assim, com riscos. Devíamos ter uma agenda muito clara sobre os temas que estamos falando aqui, colocá-la na campanha eleitoral e tentar um compromisso eleitoral desses candidatos. É crucial que tenhamos parlamentares e partidos comprometidos com a nossa agenda. Nós regredimos com relação a isso.
E de que forma o setor privado pode contribuir com isso?
Por meio de uma aliança entre o setor privado e a sociedade civil, para tentar definir uma agenda de consenso. Uma agenda de consenso significa eliminar temas altamente controvertidos. Eu acho que tem espaço para uma agenda de convergência. Quanto mais comprometido estiver o País, o poder público, o setor empresarial e o reconhecimento da sociedade civil, melhores as condições de competitividade do Brasil mundo afora. Se o Brasil quer ter acesso ao mercado internacional, quanto mais ele estiver preparado para isso, melhor. Isso é de interesse do Brasil.
O que eu colocaria como importante para a eleição do ano que vem? Discutir os nossos temas na perspectiva de uma economia de baixo carbono. Junto a isso, também defendo que o tema da economia da biodiversidade seja colocado com clareza, na medida em que o Brasil é um país megabiodiverso. Isso pode gerar muita oportunidade de negócios, inclusive para o setor empresarial brasileiro, mas desde que ele perceba a importância desses temas. Para isso, seria bom se a gente tivesse governos.
Eu falo no plural porque não é só governo federal; temos que trabalhar com governos estaduais e eventualmente com governos municipais comprometidos com esta agenda. Quando falo isso, não é porque eu ache que o setor empresarial tem que ser mais altruísta, é porque ele tem muito a ganhar com o que estamos falando. E tem muito a perder na medida em que não abraçar essas temáticas.
Muitas pessoas que trabalham com essas agendas estão deprimidas, vendo que estão perdendo as batalhas. Os tempos são distópicos. A sustentabilidade continua como uma utopia?
Não acho que seja possível para qualquer empresa e para qualquer setor empresarial deixar de colocar no modelo de negócio a admissão da sustentabilidade. É uma questão de tempo. Mais rápido ou menos rápido dependendo de haver lideranças que puxem esta agenda de protagonismo. Se você olhar Estocolmo em 72, que foi a grande Conferência, ou a Eco-92, de lá pra cá, olha o peso que os nossos temas ganharam de lá pra cá! Quem de nós imaginaria que o setor financeiro do mundo estaria discutindo risco climático? E discutindo risco climático como uma agenda dos bancos centrais do mundo! Existe razão para otimismo e acho que esta agenda veio para ficar.
O grande desafio que nós enfrentamos é a questão do tempo, não há tempo a perder. E infelizmente temos tido mais uma discussão de conceito do que de implementação. O grande desafio do mundo é a implementação, não só do Brasil. Precisamos ter capacidade de formular uma agenda inovadora. Algumas coisas estão acontecendo. O MapBiomas, por exemplo, é uma coisa muito interessante porque você não precisa do poder público para, digamos assim, realizar relatórios com amparo científico. A gente tem que acelerar isso.
Em relação ao planeta, aí sim, a situação é dramática, porque a realidade suplanta os cenários mais negativos. O que nós pensávamos que aconteceria daqui a xis anos já está acontecendo e tem muita gente que não acredita na perspectiva de aumento de 2 graus até o fim do século [em relação ao período pré-industrial]. Tudo que o IPCC tem falado, você não vê uma diminuição das emissões do gás de efeito estufa. De certa maneira os padrões de emissão anteriores à pandemia voltaram. Neste sentido, eu acho que estamos do lado da Greta [Thunberg, jovem ativista], de que de fato muito pouco está sendo feito.
Mas a sociedade também não age linearmente. Embora olhando a realidade as mudanças pareçam difíceis, elas podem vir a ocorrer, inclusive no setor empresarial. As empresas são formadas por gente que também tem família e compromissos individuais. E ficar fora da nossa agenda não garante a longevidade do ponto de vista empresarial. Não vejo possibilidade de que esta agenda não penetre pra valer. A questão, como enfatizei, é o tempo. É o relógio contra nós. O importante é que de fato o desempenho de sustentabilidade do setor empresarial seja um dos principais critérios de investimento: premiar corretamente quem age e punir quem não age. Não vejo outro caminho.