EDITORIAL
Sem tempo a perder
Quem atua no campo da sustentabilidade vê um copo pela metade – cheio de mudanças positivas e inimagináveis até pouco tempo atrás, mas vazio quando se olha para a velocidade das transformações necessárias. Sem uma forte inflexão, a humanidade está prestes a perder a guerra contra a mudança do clima. No Brasil, efeitos são sentidos, por exemplo, na oferta de água e energia e na inflação, que atinge sobretudo os mais vulneráveis. As desigualdades são gritantes, acentuadas pela pandemia, enquanto o País está a reboque de uma perigosa onda de recessão democrática.
Por tudo isso, não há tempo a perder. Danos já irreversíveis – em relação à biodiversidade, por exemplo – e a aproximação de novos tipping points, como a savanização da Floresta Amazônica, imprimem senso de urgência à propalada agenda ESG, que adota critérios sociais, ambientais e de governança em decisões de investimento.
Não há espaço para greenwashing e nem mesmo para ações que possam ser bem-intencionadas, mas irrelevantes para transformações efetivas. Também não adianta gerar impacto positivo de um lado, mas continuar causando impacto negativo de outro. Além disso, a política, pouco falada nessa equação, deve ser olhada como um elemento-chave para provocar mudanças em ampla escala.
É preciso concentrar as ações nos temas mais prementes, o que se chama de materialidade. Essa expressão significa a relevância de determinado fator para uma organização, o que pode ser medido pelo impacto econômico, social ou ambiental que gera. Com isso, a empresa deve se atentar ao que de fato importa, evitando práticas inócuas ou que caracterizam greenwashing.
Provocada pela Global Reporting Initiative (GRI) nesta terceira edição produzida em parceria, a Página22 identifica os fatores de maior materialidade na agenda ESG brasileira. São questões como mudança do clima, desmatamento, desigualdade de oportunidades, racismo, diversidade nas organizações e nos processos de tomada de decisão, capitalismo das partes interessadas, ética e democracia.
A revista agradece imensamente à GRI e à Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional pela oportunidade de gerar conteúdo para este debate.
Boa leitura!
MENSAGEM DA GRI
Por um novo padrão civilizatório
É com muita alegria que apresentamos a terceira edição especial da Página22 em parceria com a Global Reporting Initiative (GRI) e com apoio da Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional. O contexto no qual celebramos nosso lançamento, entretanto, não é tão animador. Enfrentamos no País os piores índices sociais dos últimos anos, com aumento do número de pessoas abaixo da linha de pobreza e também de super-ricos (Dieese, 2021), recrudescendo as velhas mazelas resultantes dessa desigualdade. Além disso, o desmatamento e as queimadas de nossas florestas seguem a todo vapor, dizimando espécies, mudando o regime das águas, degradando nossos solos e contribuindo para o aumento da temperatura em escala global.
Será que as empresas estão endereçando, de alguma forma, essas questões? Quais deveriam ser os tópicos de sustentabilidade/ESG materiais e fundamentais para todas as empresas com operação no Brasil, independentemente de setor, porte ou localização? Este foi o desafio que lançamos à equipe da Página22 para esta edição especial.
A metodologia GRI busca elencar os temas comuns a partir de iniciativas universais, transformando-as em divulgações e indicadores usados para inserir a sustentabilidade na gestão das organizações. Mas quais são os temas brasileiros?
Em uma pesquisa online simples com 224 respondentes, realizada entre os dias 11 e 30 de agosto deste ano, perguntamos qual era a percepção acerca dos tópicos da GRI em uma graduação de “sem importância” até “muito importante”. A ideia era entender se as Normas GRI se conectavam à nossa realidade. Conforme as respostas obtidas, 100% dos temas listados no levantamento foram considerados pela maioria como importantes ou muito importantes. Alguns respondentes chegaram a se queixar de que a pesquisa não era boa por apresentar somente temáticas com esse grau de importância. Na segunda parte da consulta, pedimos aos participantes que nos dissessem quais tópicos eram mais fundamentais para todas as empresas com operações no Brasil. Tivemos 72 respondentes, que elegeram os seguintes tópicos, em ordem de importância:
- Energia e emissões
- Materiais e resíduos
- Mudanças climáticas
- Água e efluentes
- Avaliação socioambiental de fornecedores (violação de direitos humanos, perda de biodiversidade, desmatamento etc.)
- Diversidade e inclusão
- Direitos humanos
- Ética e Integridade
- Identificação e gestão de impactos socioambientais pelos órgãos de governança
- Práticas anticorrupção
Será esta uma lista coerente com as nossas urgências? Com os retrocessos sociais e ambientais que vivemos atualmente, devêssemos, talvez, retornar ao básico e essencial. Nossa Constituição Federal de 1988 pode ser o ponto de partida para refletirmos sobre os temas materiais para o Brasil, pela sua abrangência e completude. Não à toa esta edição traz uma relevante entrevista com um dos responsáveis pela elaboração desse documento visionário, o advogado e ex-deputado Fabio Feldmann.
Com o aumento do interesse do tema ESG no ambiente empresarial, há quem diga que ainda não existem métricas ou direcionamentos para as empresas endereçarem as questões de sustentabilidade. Eu defendo a tese de que, na verdade, temos muitas referências direcionadoras para apoiar as organizações na mudança para um novo modelo de negócio e mercado, tais como: a Constituição Federal, as regulações, as experiências acumuladas, os instrumentos de gestão, as próprias Normas GRI.
Infelizmente, não há uma fórmula mágica ou um modelo fechado. Precisamos, na realidade, investir tempo para conectar os pontos, aprender, refletir e planejar a jornada em direção a um novo padrão civilizatório. E esta edição da Página22 tem muito a contribuir para essa reflexão.
Boa leitura!
Glaucia Terreo, diretora da GRI no Brasil
[Foto: Shelby Miller/ Unsplash]