A restauração ecológica na escala da paisagem é o método mais eficaz, em conjunto com a regeneração natural de florestas, para o Brasil alcançar suas metas climáticas. E, ao mesmo tempo, fortalecer a biodiversidade

Por Magali Cabral _ Foto: Simon Berger/ Unsplash

Conservação e restauração são termos muito associados ao mundo das artes, mas, nas últimas décadas, tornaram-se conceitos cruciais no campo ambiental. Quando se restaura uma obra de arte muito maltratada pelo tempo ou pela ação humana, a ideia é aproximá-la ao máximo de sua forma e expressões originais. Com a natureza acontece mais ou menos a mesma coisa. Existem métodos de restauração ecológica que trazem de volta ecossistemas muito semelhantes aos originais.

Mas a analogia termina aqui, pois, se um afresco deteriorado pode ser “recuperado” em questão de semanas, a natureza, por mais incentivos que receba, precisa de muitas décadas para recompor um ecossistema biodiverso. Este estudo publicado na revista científica Nature mostra, por exemplo, que são necessários 66 anos, em média, para uma floresta em processo de regeneração estocar 90% do carbono presente em um ecossistema original.

Com o chamado tipping point “batendo à porta” do planeta azul, a falta de tempo aciona dois alarmes. Um, para a importância da conservação do pouco que restou de ecossistemas originais – cerca de 3%, segundo pesquisa realizada na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Outro, para a urgência da restauração florestal na escala da paisagem, um conceito criado pela União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) e que vem sendo disseminado mundialmente nos últimos anos. São ações que podem ajudar a frear a mudança climática e a evitar o colapso da biodiversidade.

É disso que trata a Década da Restauração de Ecossistemas 2021 – 2030, lançada em junho pelas Nações Unidas, sob a liderança do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Outros objetivos da campanha são o combate à pobreza e a geração de emprego e renda (abaixo, algumas das iniciativas mais emblemáticas em restauração florestal no planeta).

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Um diferencial da restauração na escala da paisagem em relação às iniciativas convencionais é a inclusão dos atores locais no planejamento e na execução dos projetos. As necessidades humanas passam a integrar a composição das paisagens. Outra característica é o ganho de escala: em vez de projetos pontuais que restauram, por exemplo, a mata ciliar em um trecho de rio ou a Reserva Legal de uma fazenda, a ideia é olhar mais longe. Geograficamente, a delimitação de uma paisagem costuma abranger uma microbacia hidrográfica, um município ou toda uma região com várias cidades.

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O Plano Conservador da Mantiqueira, por exemplo, está certificando para restauração florestal na escala da paisagem uma região de 1,5 milhão de hectares, que abriga 425 municípios (mais nesta reportagem). “Com essa configuração, a restauração consegue se tornar um vetor de desenvolvimento”, afirma o especialista em restauração do WWF-Brasil, Thiago Belote.

Além de gerar externalidades positivas ao reduzir a pressão do desmatamento e recuperar serviços ecossistêmicos, como produção de água, autorregulação do clima, controle de pragas, entre outras, a própria atividade de restauração em si é uma geradora de empregos, pois arregimenta caçadores de sementes nativas, produtores de mudas, pessoal para o plantio e manutenção, para o monitoramento etc.

“De certo modo já se pensava nessa abordagem de paisagem há muitos anos. Para buscar soluções para as crises hídricas, por exemplo, já alongávamos a nossa visão para toda a bacia hidrográfica. Mas faltava uma metodologia”, lembra o consultor sênior do Programa de Florestas do WRI Brasil, Miguel Calmon.

Em 2013, o WRI e a UICN lançaram a ferramenta Restoration Opportunity Assessment Methodology (ROAM), dando destaque à importância do trabalho de engajamento e da governança participativa. “Se antes trabalhávamos só com o produtor rural, agora procuramos engajar todos os atores de uma paisagem, agricultores, moradores, prefeitura, sociedade civil e empresários para participar da elaboração e execução de projetos”, afirma Calmon.

Paisagem em mosaico

As camadas que formam a paisagem de uma restauração florestal são totalmente maleáveis, podem variar conforme as características locais, mas seguem alguns princípios. É fundamental ter nessa paisagem florestas nativas bem conservadas que garantam a provisão de serviços ecossistêmicos, como produção de água em quantidade e com qualidade.

Quando essas florestas estão degradadas ou fragmentadas, é necessário recuperá-las, seja por meio do plantio de sementes e mudas, seja por regeneração natural, quando possível. Na sequência, formando contínuos florestais, entram na paisagem os Sistemas Agroflorestais (SAF), que permitem incontáveis arranjos produtivos sustentáveis e rentáveis (mais neste artigo).  

Juntas, a restauração florestal na escala da paisagem e a regeneração natural de áreas florestais desmatadas – que estejam abandonadas ou que não tenham aptidão para a agricultura – são vistas como o “pulo do gato” para se atingir a meta global de recuperar 350 milhões de hectares até 2030, prevista no Desafio de Bonn (The Bonn Challenge). Esse acordo foi assinado em 2011, em Bonn, na Alemanha, por mais de 70 países – entre eles, o Brasil. Desse montante, cabe ao Brasil a restauração de 12 milhões de hectares, meta inicialmente prevista na Contribuição Nacionalmente Determinada, a NDC brasileira, estabelecida em 2015 no Acordo de Paris, e hoje amparada pelo Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), de 2017 (mais no quadro “Organizando as Metas“).  

A recuperação de outros 10 milhões de hectares está prevista no Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), sendo 5 milhões de hectares para Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF) e a outra metade para recuperação de pastagens degradadas. “A restauração é uma tarefa monumental. Nos próximos dez anos, cada ação conta. Cada país, empresa, organização e indivíduo tem um papel a desempenhar”, enfatiza a campanha da ONU para esta década, cujas estratégias podem ser visitadas aqui.

Na opinião de Miguel Calmon, o Brasil é o país da restauração. Nos últimos 20 anos, acumulou muita experiência no tema, mas com foco em projetos de abrangência limitada. “Quando olhamos para as últimas décadas, vemos que, apesar de muito esforço e investimento, obtivemos resultados pouco significativos se comparado ao que almejamos hoje”, avalia. “A partir de 2011, quando o Bonn Challenge consolidou essa nova abordagem de paisagem, começamos a mudar nossa estratégia, ou jamais atingiríamos metas tão ambiciosas.”

Regeneração natural

Boa parte da pressão do desmatamento sobre a floresta é para a conversão do solo em cultivo agrícola. Na Amazônia, por exemplo, pratica-se uma agricultura itinerante de fogo: a vegetação é cortada e queimada para permitir o plantio.

Segundo a gerente sênior de Restauração de Paisagens e Florestas da Conservação Internacional (CI-Brasil), Danielle Celentano, essa é uma prática muito antiga, de origem indígena. Foi uma técnica sustentável enquanto seu uso limitava-se às populações indígenas numa época em que a imensa disponibilidade de florestas ainda não despertava interesse econômico. “Os indígenas colhiam o alimento e buscavam uma nova área para o plantio, enquanto aquela era deixada para a natureza regenerar. Como era uma atividade de baixa intensidade, a natureza conseguia recuperar o ecossistema sem problemas”, conta.

Hoje, a regeneração natural, importante para o País alcançar suas metas, já não é tão simples. Na Região Amazônica, e também na Mata Atlântica, existem áreas desmatadas que ainda conservam resiliência. Se o solo estiver em bom estado e se existirem remanescentes florestais ricos em biodiversidade não muito distantes, estão dadas as condições para uma nova floresta crescer sem necessidade de muita intervenção humana. É preciso apenas a garantia de que a área está segura em relação a novos distúrbios.

“Se há risco de fogo, a área deve ser protegida com aceiros [faixas sem vegetação para prevenir a passagem do fogo]. Ou, se existirem pastagens nas imediações, é importante impedir o acesso do gado às folhas palatáveis da regeneração. Feito isso, a biodiversidade presente nas florestas remanescentes – aves, morcegos e outros mamíferos polinizadores – dará conta do trabalho”, explica Celentano.

Caso contrário, se houver pouca resiliência – vegetação remanescente muito fragmentada ou solo degradado –, a regeneração exigirá investimentos em adubação e em plantio de sementes e mudas nativas, preferencialmente, mais atrativas à fauna.

Um grande desafio atual é identificar as áreas que estão passando por processo de regeneração natural e contabilizá-las para que sejam oficialmente computadas como meta cumprida. Para o diretor de Políticas e Relações Institucionais do Instituto BVRio, Beto Mesquita, as ações de monitoramento estão atrasadas devido ao fato de o tema da regeneração natural ter demorado a despertar um real interesse da ciência. “O tema sempre esteve ali piscando, mas só agora veio à tona como um elemento importante para a contabilidade da restauração florestal”, afirma.

Se o Brasil colocasse hoje na ponta do lápis toda a sua área florestal em processo de regeneração natural, segundo Mesquita, alcançaria facilmente os 12 milhões de hectares. No entanto, é preciso retirar dessa contabilidade as áreas que parecem estar em processo de regeneração mas, na verdade, estão em pousio – “são terras disponíveis para a agricultura, inclusive do ponto de vista legal, e que por uma contingência econômica ou social momentânea estão em repouso, mas a qualquer momento podem ser convertidas novamente para a agricultura”, explica.

Para serem consideradas áreas em processo de regeneração plena, elegíveis à contabilidade da meta, é preciso manter um monitoramento sob parâmetros e critérios expressivos. “Atualmente, tanto o Brasil como outros países debruçam-se em pesquisas para definir as regenerações naturais que podem ser contabilizadas como áreas em processo de restauração de ecossistemas”, afirma Mesquita.

Uma nova iniciativa veio da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que lançou neste ano o Observatório da Restauração e Reflorestamento, uma plataforma que reúne dados de restauração, reflorestamento e regeneração natural no Brasil por meio de imagens de satélite.

Neste webinar de lançamento da plataforma, especialistas debatem os desafios do processo de monitoramento da restauração florestal no Brasil. Celentano, uma das participantes, observa que o monitoramento feito em larga escala, embora muito importante, é insuficiente. “Não podemos deixar de lado o monitoramento complementar in loco, pois o satélite mostra a cobertura vegetal, mas não consegue enxergar se os processos ecológicos estão de fato no caminho da restauração. Isso, só indo a campo”, alerta.

Sistemas Agroflorestais

Os SAFs que compõem as restaurações feitas na escala da paisagem também entram na contabilidade das metas. Visto de cima, o Sistema Agroflorestal aparece em continuidade à floresta nativa.

Existem inúmeros desenhos de manejo de um SAF. Espécies permanentes como o cacau e o cupuaçu podem intercalar-se com culturas anuais, como milho, abóbora, mandioca, enquanto mamão e banana são colhidos a qualquer momento. Os arranjos são intermináveis e, segundo Danielle Celentano, podem gerar uma rentabilidade interessante, como já acontece particularmente em Tomé-Açu, no Pará, onde uma colônia de japoneses muito desenvolvidos em sistemas agroflorestais já produz frutas em escala para exportação. “O SAF é muito compatível com a floresta, recupera serviços ecossistêmicos e, em alguns casos, restaura a biodiversidade”, afirma.

Um SAF permite em sua configuração até os monocultivos, por exemplo, um plantio de eucalipto para a produção de celulose. “Desde que feito dentro de um contexto de melhorar a qualidade da paisagem, não há problema nenhum”, pondera a líder global de restauração de paisagens florestais do WWF-Brasil, Anita Diederichsen.

Sob o guarda-chuva dos SAF, surgiu recentemente o conceito de agricultura regenerativa, que vem despertando o interesse de empresas interessadas em gerar impactos positivos em prol da resiliência climática. Felipe Villela, cofundador da reNature, uma  empresa especializada no assunto, com sede na Holanda, explica que esse sistema ambiciona maximizar os impactos positivos daquilo que já é sustentável. “Buscamos ser carbono positivo, e não apenas carbono neutro.” Para atingir resultados, Villela explica que a reNature trabalha com os princípios do SAF, da agroecologia, da agricultura sintrópica e de sistemas agrosilvipastoris em seus projetos – um deles, com a Nespresso, busca soluções para o impacto que a seca persistente no Cerrado mineiro está provocando na produção de seus 1.200 fornecedores de café.

Net zero

Um questionamento frequente em seminários e webinares diz respeito à estratégia preferida do setor empresarial de uso da natureza – basicamente, o plantio de árvores – para retirar carbono da atmosfera a fim de compensar a sua pegada de carbono. Seria essa estratégia capaz de impactar a temperatura do planeta a tempo de frear a mudança climática? Afinal, trata-se de uma iniciativa cujos resultados são de longo prazo.

Segundo Anita Diederichsen, para fins climáticos, pouco adianta uma empresa sequestrar carbono para compensar suas emissões de gases de efeito estufa. “A neutralização do carbono precisa ser considerada em um contexto mais amplo. O setor industrial deve buscar a neutralidade dentro de suas instalações. Feito isso, o sequestro de carbono adicional será mais do que bem-vindo, pois poderá contribuir com as políticas nacionais de redução de emissões.”

Os caminhos para uma empresa se tornar neutra em emissões de carbono, independentemente de suas iniciativas em prol da natureza, estão apresentados na Science Based Targets Initiative (SBTi), que surgiu da parceria entre Pacto Global das Nações Unidas, CDP, We Mean Business Coalition, WRI e WWF. Essa ferramenta traz orientações sobre a transição de uma matriz energética emissora de gases para uma matriz limpa, como forma de aumentar as ambições climáticas. “Nesse momento, faz mais sentido para o clima as empresas adotarem essas novas práticas em vez de apenas lançar créditos de carbono no mercado. Quando conseguirmos fazer a integração da agenda de restauração com a do clima, daremos um grande salto”, diz Diederichsen.

Sobre a estratégia predominante das empresas de uso da natureza como medida de combate à mudança climática, Anita Diederichsen explica ainda que plantar árvores não é um fim, é um meio. “Estamos falando em ver florestas crescendo com biodiversidade, e a árvore, que muitas vezes atrai a atenção do leigo, é só uma parte do processo da restauração ecológica”, observa. “Seria muito bom levar esse olhar ao mundo corporativo, onde o indicador costuma ser apenas a quantidade de árvores plantadas.”

Gargalos

A restauração na escala da paisagem é uma abordagem complexa, relativamente nova e, portanto, ainda com muitos desafios pela frente, a começar pela dificuldade de captação de recursos financeiros. “Ainda que seja caro, ou, em alguns casos, nem tanto, faltam recursos para fazer restauração na escala da paisagem”, diz Thiago Belote. Uma possibilidade para viabilizar novos projetos é, segundo ele, atrair o setor corporativo apresentando-lhe uma perspectiva de aumentar suas ambições climáticas.

Outro gargalo reside na área técnico-operacional. “Não temos viveiros suficientes e nossa assistência técnica é deficitária. Há muitos profissionais na extensão rural, mas poucos na florestal”, afirma. Além disso, os grupos de coletores de sementes estão desarticulados e existem poucas tecnologias para aumentar a produtividade de sementes nativas.

Mais uma questão apontada por Belote é a baixa capacidade instalada das instituições que estão na ponta dos projetos de restauração. “As pequenas associações locais, aquelas que põem ‘a mão na massa’ da restauração, estão enfraquecidas, quando não quebradas.” No entanto, “elas são fundamentais, pois detêm os contatos locais e conseguem abrir as porteiras das propriedades para a restauração”.

Enquanto isso, as ONGs maiores, como o próprio WWF-Brasil, não estão, segundo ele, aptas a atuar na ponta fazendo restauração. “Quando conseguimos recurso e queremos repassá-lo para uma instituição local, não podemos porque ela está com a documentação negativada”, lamenta. Para ele, é preciso reestruturar as ONGs que atuam na ponta, capacitá-las em metodologia de restauração, em monitoramento e em gestão administrativo-financeira.

Outros desafios listados por Belote dizem respeito aos mecanismos regulatórios: é preciso implementar o Código Florestal e universalizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR). A insegurança jurídica também está na relação de gargalos a serem superados: os estados precisam fazer seus Programas de Regularização Ambiental (PRA) dando as normativas para que os proprietários rurais tenham segurança para fazer restauração com fim econômico. “Poderá o proprietário retirar um produto madeireiro daqui a 30 anos? Talvez não. Sem essa segurança jurídica, ele pode achar melhor nem restaurar”, explica Belote.

Conservação versus Covid

 “A importância da conservação das florestas tropicais ganha novos contornos com o surto de Covid-19, na medida em que se constata que o desmatamento de fato aumenta os riscos de doenças zoonóticas com potencial pandêmico.” A afirmação está na introdução do estudo Emerging threats linking tropical deforestation and the COVID-19 pandemic (em tradução livre: Surgem novas ameaças relacionando o desmatamento em países tropicais à pandemia de Covid-19), que tem como um dos autores o gerente sênior de conservação de biodiversidade no Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), Renato Crouzeilles.

De acordo com ele, se já era sabido que o desmatamento aumentava o risco de surgimento de novas pandemias, o estudo acrescenta que a pandemia de Covid-19 provoca, ela mesma, um encadeamento de fatos que maximiza ainda mais esse risco.

Mesmo em países tropicais que mantêm políticas governamentais fortes na pressão contra o desmatamento florestal, esse compromisso pode ter sido relaxado durante as medidas de combate ao contágio. O estudo mostra que fechamentos e restrições orçamentárias de agências ambientais durante a pandemia podem ter restringido as operações de campo para aplicação da lei, cuja logística é particularmente complexa nas fronteiras de desmatamento.

Os pesquisadores compararam imagens de satélite do desmatamento durante um período de quatro semanas em 2020 com dados do mesmo período em 2019 nos trópicos globais e registraram um aumento no desmatamento de 63%, 136% e 63% na América, África e Ásia-Pacífico, respectivamente.

Além disso, acordos comerciais que valorizam a sustentabilidade na cadeia produtiva podem ter sido relaxados durante a pandemia para salvaguardar o fornecimento de alimentos aos países importadores.  Tudo isso é estímulo ao aumento do desmatamento e cria um círculo negativo em que uma coisa leva a outra: “O lockdown resulta em menos fiscalização, o que, por sua vez, implica um aumento do  desmatamento, da caça e do tráfico de animais silvestres que fazem crescer as chances de contato, inclusive por meio da alimentação, entre pessoas e vírus com potencial de suscitar uma nova pandemia como a Covid-19”, explica Crouzeilles.

A obra do biólogo e escritor estadunidense Jared Diamond, autor de Colapso, sobre civilizações que desapareceram em grande parte devido ao mau uso dos recursos naturais, traz à imaginação a luz piscante de alerta para o tipping point. Mas, diferentemente dos idos das extintas civilizações Maia (América Central e México) e Rapanui (Ilha de Páscoa), hoje líderes mundiais já falam em uma retomada econômica verde no pós-pandemia.

Além disso, a humanidade está bem provida de instrumentos e conhecimentos capazes de evitar o pior desfecho. Um deles, segundo Renato Crouzeilles, é a própria restauração de ecossistemas: “É uma das formas mais custo-efetivas que existem no mundo para mitigar os efeitos negativos causados pelos seres humanos ao meio ambiente, com inúmeros benefícios, entre os quais o de minimizar o risco de um novo colapso pandêmico”.  

Organizando as metas

Ao submeter uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), em dezembro de 2020, ao Acordo de Paris, o atual governo brasileiro excluiu do texto a meta de recuperar 12 milhões de hectares de áreas desmatadas até 2030, prevista na primeira versão de 2015. Segundo o líder de restauração florestal na The Nature Conservancy (TNC), Rubens Benini, de todo modo a NDC não especificava o tipo de restauração florestal que deveria ser adotado, o que pressupunha tanto cobertura vegetal com as espécies nativas dos respectivos biomas como reflorestamento com árvores exóticas.

No entanto, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa  (Planaveg), lançado em 2017, conforme estava previsto no Desafio de Bonn, estabelece a restauração – esta, sim, ecológica – de 12,5 milhões de hectares. O objetivo do Planaveg nada tem a ver com a redução de emissões de gases de efeito estufa prevista no Acordo de Paris. Sua finalidade é cumprir o Código Florestal Brasileiro. “Mas como a extensão da área a ser restaurada é parecida com a da NDC, e como o Planaveg está em vigor, a meta de restauração permanece”, explica Benini.  

Os outros 10 milhões de hectares previstos no Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), de acordo com Benini, assim como na antiga NDC brasileira, também não têm a ver com restauração ecológica, apenas com sequestro de carbono. Metade visa melhorar a qualidade do solo de pastagens. E a outra metade visa a ILPF [Integração Lavoura, Pecuária e Floresta], “o que pode se resumir à implementação de um sistema silvipastoril, ou seja, introduzir árvores em meio às pastagens, que não é uma restauração ecológica, mas contribui para conforto animal, sequestro de carbono e conservação do solo”, afirma.

Saiba mais sobre o Desafio de Bonn aqui e, para acessar o Planaveg, clique aqui.