Próximo desafio: escala e velocidade
Em maio de 2008, a Página22 publicou uma edição explicando por que era tão importante o mercado financeiro se integrar ao debate da sustentabilidade. Doze anos depois, é gratificante noticiar que, antes tarde do que nunca, as finanças não só embarcaram no tema, como estão puxando a régua para cima, ao precificar o risco das más práticas ambientais, sociais e de governança. As boas notícias, entretanto, dependerão da escala e da celeridade dessas mudanças.
A sustentabilidade, que requer uma abordagem sistêmica, está aprisionada a um debate polarizado que adiciona dificuldades. No Brasil, assim como em diversos países do mundo, governos de orientação retrógrada agem como um freio de mão, enquanto empresas que dependem de inserção internacional precisam desvincular sua imagem da agenda autoritária. Como diz Valdemar de Oliveira Neto, o Maneto, na reportagem de capa desta edição, a melhor forma de fazer isso é com mais transparência na gestão e uma agenda ambiental forte.
A Amazônia, fronteira de grandes disputas, é um exemplo dessas agendas conflitantes. A clareza dos dados territoriais sobre ocupação e uso do solo propiciada pelas imagens de satélite contrasta com obscuras transações em meio a mentiras e meias-verdades. A região é marcada por um contexto de violência e ilegalidade: grilagem de terras, conflitos fundiários, tráfico de drogas, animais e pessoas, desmatamento. Mas a crescente exposição global da maior floresta tropical do mundo joga holofotes na escuridão da floresta e pode, gradativamente, abrir as caixas-pretas de atividades como agropecuária, garimpo, exploração de madeira e mineração.
Mais uma vez, o engajamento dos diversos atores da sociedade será fundamental para vencer esses desafios e romper com a cultura patrimonialista e pouco transparente que historicamente caracteriza a sociedade brasileira. Embora o atual governo brasileiro esteja fora desse debate, a sociedade civil e a empresarial estão mais dentro do que nunca e continuam pautando grande parte desse movimento, na avaliação de Roberto Silva Waack, integrante da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
Na Entrevista, o professor José Eli da Veiga, da USP, enfatiza os movimentos puxados pelos jovens, que poderão influenciar de forma poderosa e positiva o andamento dessa agenda. E recomenda que as empresas prestem muita atenção na mudança de comportamento e de valores que vem por aí.
Boa leitura!
E a régua subiu?
Bem-vindos à segunda edição especial sobre transparência da Página22, idealizada em parceria com a Global Reporting Initiative (GRI). Este projeto traz uma avaliação geral do estado da transparência no Brasil na perspectiva de diversos setores da sociedade. Em que avançamos e no que precisamos melhorar desde a primeira edição, em 2019?
O debate sobre a necessidade de complementar as informações das empresas para além dos costumeiros demonstrativos e balanços financeiros não vem de hoje. Podemos dizer que o verdadeiro ano de nascimento da GRI foi 1989, por conta do acidente da Exxon Valdez no Alasca. O desastre levou investidores institucionais a questionarem suas práticas, pois ficou clara a relação entre a criação de valor das empresas e o que hoje chamamos de ESG (critérios ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês).
Nos dias atuais, a diferença é que o debate saiu de um nicho e ganhou tração, ocupando espaços em grandes fóruns de negócios, legislações e fundos de investidores. Com a evolução acelerada da tecnologia e o aumento do escrutínio público potencializado pela pandemia, a transparência deixa de ser voluntária para ocupar cada vez mais espaços em agendas de governos e esferas reguladoras.
É preciso celebrar e agradecer a todos que estão juntos nesta jornada desde o início. E lembrar que as grandes decisões tomadas nas instituições são feitas por pessoas, nos seus papéis de ativista, funcionário, mãe, pai, professor, jornalista, empresário, investidor, estudante etc. Ou seja, um futuro melhor também depende da evolução pessoal de cada um.
Leituras como esta contribuem para abrir a cabeça e ampliar a visão. Por isso, agradecemos à equipe da revista, que novamente provou seu profissionalismo e compromisso com a informação, e também à Agência Sueca de Cooperação Internacional (SIDA), patrocinadora deste projeto da GRI. Agradecimentos especiais aos entrevistados e membros do Comitê Editorial desta edição.
Glaucia Terreo, diretora da GRI no Brasil
Foto: Jules A./ Unsplash