Empresas mapeiam, mensuram e buscam entender suas relações de dependência e impacto com os ecossistemas
Por Sérgio Adeodato
Desenvolver métricas para transformar em cifrões os impactos aos serviços ecossistêmicos e às condições de vida das comunidades locais, negativos e positivos, é a chave na avaliação de riscos e oportunidades pelas empresas. A estratégia é incorporada aos negócios, em setores que vão da química à geração de energia elétrica, intensivos no uso de serviços ecossistêmicos, como a provisão de recursos hídricos.
Os conflitos pela água se acirram no mundo, com reflexo em perdas ambientais, sociais e econômicas. Hoje, 1,7 bilhão de pessoas vivem em regiões onde a demanda do recurso ultrapassa a oferta e até 2050 serão mais de 2,3 bilhões, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao mesmo tempo, para suprir o aumento da população e da produção industrial, os volumes retirados da natureza já representam o triplo de 50 anos atrás.
“O impacto da escassez atinge diretamente o negócio e, por isso, torna-se cada vez mais necessário achar meios de medir e neutralizar os riscos”, aponta Gustavo Kajiura, integrante da equipe de desenvolvimento sustentável da Braskem.
Após mapear ameaças em diferentes cenários no horizonte de 2040, a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas tomou a decisão de aprofundar a análise e calcular a viabilidade econômica de soluções de acesso à água, um de seus principais insumos. O método consistiu em medir o custo financeiro dos impactos no cenário de crise hídrica – em que a outorga para uso dos rios pode ser reduzida em 30% com consequente queda da produção industrial – e compará-lo ao valor dos investimentos em fontes alternativas capazes de evitar o problema.
Na unidade da empresa em Duque de Caxias (RJ), a conclusão do projeto-piloto de valoração foi de que o montante do impacto em 12 meses de seca gira em torno de R$ 120 milhões. Já a opção de pagar pela água de reúso obtida do esgoto, no intervalo de cinco anos, que inclui o período de crise hídrica, é uma solução R$ 20 milhões mais barata do que assumir o risco de reduzir o abastecimento e a produção.
A referência tecnológica da alternativa é o empreendimento do Aquapolo, do qual a Braskem é parceira, no Grande ABC, em São Paulo, com capacidade de produzir 1 mil litros por segundo em uma estação de tratamento de esgoto da Sabesp, volume equivalente ao consumo hídrico de uma cidade de 500 mil habitantes.
Graças a esse volume extra produzido, a petroquímica escapou ilesa da seca de 2014 e 2015 que atingiu o Sudeste e forçou o racionamento do consumo em algumas cidades. Cerca de 40% dos negócios relataram impactos, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – prejuízos que, em certos casos, obrigaram medidas para melhor gestão do recurso.
“Não é questão apenas de segurança interna das operações, mas de menor pressão nas bacias hidrográficas com garantia de captação do recurso para a sociedade”, explica André Villaça, especialista de sustentabilidade da Braskem que nos últimos anos investiu R$ 280 milhões na redução do consumo hídrico para níveis seis vezes abaixo da média do setor no mundo.
Medir o valor do risco, tornando a percepção dos impactos mais tangível, é um passo essencial à gestão. Incorporados ao radar da alta direção, os resultados da experiência-piloto subsidiarão investimentos e planos de ação para 2023. Além disso, o aprendizado com a métrica será replicado na cadeia de fornecimento e clientes, com a perspectiva de expandir o alcance dos ganhos.
A estratégia é urgente, diante das projeções do Banco Mundial prevendo declínio da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global de 6% até 2050, à medida que a disputa pelo recurso hídrico se intensifica. Diante do cenário, o Conselho Mundial da Água estima a necessidade de investimentos da ordem de US$ 650 bilhões por ano, até 2030.
Medindo externalidades
Entender as relações de dependência dos recursos naturais e calcular o valor dos impactos a eles causados, tanto os negativos quanto os positivos, são desafios que se impõem com força cada vez maior à agenda empresarial, em especial dos setores da economia de ampla presença e interferência nos territórios. No caso da Fibria, maior produtora mundial de celulose de eucalipto, o plano inicial foi mapear os serviços ecossistêmicos sob influência de suas operações e medir economicamente os efeitos sobre dois deles: a provisão de alimentos e a regulação do clima global pelo balanço de carbono.
No primeiro, o Programa Colmeias, de fomento à apicultura, a análise abrangeu a produção de mel por comunidades em meio às florestas plantadas para abastecer a indústria. Como o eucalipto floresce ao longo dos cinco anos antes da colheita, há grande oferta de néctar e pólen às abelhas. Além dessa atividade, no Projeto Produção Integrada de Madeira e Alimento, a conta incluiu a abertura da área à roça de mandioca e outros produtos cultivada pela agricultura familiar entre as mudas de eucalipto no primeiro ano e meio após o plantio florestal. Como resultado, o valor do benefício chegou a R$ 9,9 milhões em 2016. Do total, R$ 9,7 milhões se referiram aos produtos das abelhas, representando 65% e 35% da produção de mel do Espírito Santo e de São Paulo, respectivamente.
O cálculo ajuda a elucidar questões polêmicas, como a visão de que os extensos cultivos de eucalipto para fazer papel competem no espaço com a necessidade da produção de alimentos, causando problemas sociais e ameaças à segurança alimentar. “O processo de transparência exige clareza na percepção quanto aos impactos da empresa”, analisa Sarita Severien, da área de meio ambiente florestal da Fibria. Quem não valora as externalidades, os custos ou os benefícios à sociedade, acaba ignorando-os. E isso, nos dias de hoje, pode significar riscos à competitividade.
No quesito mudança climática, externalidade foi igualmente positiva. Com 1 milhão de hectares de florestas, sendo 374 mil dedicados exclusivamente à conservação ambiental, a empresa captura mais carbono do que emite nas operações industriais. O saldo da conta chegou a R$ 2,8 bilhões em 2016, considerando o custo social do carbono de US$ 96 por tonelada, conforme padrão internacional. “São benefícios que a empresa gera sem ser remunerada e que, de alguma forma, precisam estar lado a lado com o faturamento”, afirma o gerente de meio ambiente florestal, João Augusti.
O setor é dependente de solo, água e condições climáticas. E os mesmos recursos naturais que a empresa necessita para suas operações são utilizados por outros segmentos para suprir seus próprios interesses. Assim, segundo o gerente, também as externalidades negativas devem ser contabilizadas e, neste caso, reportadas como custo aos clientes e à sociedade de uma forma geral, visando orientar escolhas e buscar estratégias de solução.
“A conta permite sensibilizar os gestores na tomada de decisão”, ressalta Augusti. Na Fibria, a variável começou a ser aplicada previamente na definição de novos projetos, como a recente troca da frota para transporte de madeira, e agora a empresa já pensa no uso de caminhões elétricos, sem emissões atmosféricas. No caso da disposição do lodo da fábrica de Jacareí (SP) em aterro, os dados dos impactos despertaram uma pergunta antes inexistente: qual alternativa gera menos gases de efeito estufa?
Como quantificar o impacto da restauração
Para gerenciar, é preciso medir, também no caso da biodiversidade. No Pontal do Paranapanema, próximo à Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, a maior de São Paulo, sensíveis equipamentos escondidos na mata se prestam a uma rotina incomum para uma empresa de energia: captar o som dos animais. O objetivo do trabalho, realizado à distância por uma base de dados automática, é identificar e quantificar as espécies da fauna que voltaram a habitar a área após um projeto de restauração florestal que plantou 2,4 milhões de árvores para formar um corredor de 12 quilômetros de Mata Atlântica.
Conduzido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), o plantio conectou Unidades de Conservação estratégicas para a proteção do mico-leão-preto e outras espécies ameaçadas no extremo oeste de São Paulo, com impacto que também está sendo quantificado na captura de carbono e qualidade do solo e da água. “A inovação está no desenvolvimento de metodologia confiável como base para avaliarmos o retorno dos investimentos no capital natural”, explica Aljan Machado, diretor de meio ambiente da CTG Brasil, geradora de energia responsável por um faturamento de R$ 5,4 bilhões em 2017.
“O resultado também ajudará a legitimar nossas operações junto aos órgãos de fiscalização e controle”, completa o executivo, para quem a valoração e monetização do capital natural enfrenta, em todo o mundo, uma deficiência de padronização de metodologias.
Além da identificação dos animais, com destaque para aves e anfíbios, a tecnologia quantificou a biomassa florestal acima do solo e avaliou a qualidade da água como sinal da boa recuperação da mata ciliar, à beira do rio. Um dos principais desafios foi desenhar todas as variáveis de forma representativa para os diferentes ambientes em uma escala de paisagem de 40 mil hectares.
A próxima etapa consistirá na valoração econômica como subsídio a investimentos futuros: “Fechar a equação financeira é importante para se fazer mais com menos”, diz Machado, com planos de replicar o método para outras áreas do entorno das 14 usinas operadas pela empresa no Brasil.
Raio X das propostas
Valoração Econômica do Cenário de Escassez Hídrica nas Plantas Industriais
Proponente: Braskem – empresa privada de grande porte do setor petroquímico
Data de início: abril de 2017
Data de término: não aplicável
Local de realização: Rio de Janeiro, Alagoas, Bahia
Investimento aproximado: a definir
Como gera valor para a empresa:
Ao avaliar o impacto potencial da escassez hídrica e subsequente comparativo com a implementação de um projeto de reúso, a Braskem consegue avaliar qual alternativa é mais interessante sob viés econômico. Permite saber até quanto está disposta a pagar por um projeto de fonte alternativa de água para compensar o impacto sofrido por falta de água nas operações, além de identificar em qual “parte” da equação é mais interessante adotar iniciativas de redução de risco. Benefícios intangíveis também são obtidos, como inovação por meio da valoração de um serviço ecossistêmico e aproximação da sustentabilidade das decisões de negócio.
Como gera valor para o ecossistema e atores envolvidos:
A iniciativa permitirá que a empresa obtenha água de fontes alternativas (como reúso, dessalinização), reduzindo o risco das bacias hidrográficas das quais a água é captada. Pode apoiar outras empresas a valorarem o impacto do recurso hídrico nas suas operações e subsidiar projetos de busca por fontes alternativas de água. Existe, portanto, um caráter de replicabilidade.
Como se relaciona com outras iniciativas globais:
Relaciona-se diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mais especificamente o 6 (Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos) e o 14 (Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável), além do 17 (Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável). Relaciona-se também com o Compromisso Empresarial de Segurança Hídrica do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), assinado pela companhia.
Piloto de Valoração de Externalidades
Proponente: Fibria – empresa privada de grande porte do setor de papel e celulose
Data de início: março de 2017
Data de término: não aplicável
Local de realização: unidades de Aracruz (ES), Três Lagoas (MS) e Jacareí (SP)
Investimento aproximado: não aplicável
Como gera valor para a empresa:
A quantificação dos Serviços Ecossistêmicos possibilita gerir o capital natural por meio de ações que promovem a melhoria dos serviços de provisão e mitigação de possíveis impactos. O projeto-piloto desenvolvido em 2017, além de contribuir para ampliar a visão em relação ao capital natural, representa um passo importante para as futuras discussões dos padrões de certificação aos quais a empresa se submete.
Como gera valor para o ecossistema e atores envolvidos:
O escopo desse estudo, restrito a externalidades, permite diferenciar com maior facilidade os impactos ambientais sofridos pela empresa dos impactos sociais causados por ela. Ao monetizar as externalidades, permite que os impactos sejam colocados em uma perspectiva financeira alinhada com as práticas de planejamento e gestão corporativas. Espera-se que passivos, riscos e oportunidades aos negócios relacionados a externalidades ambientais ganhem visibilidade junto a executivos e investidores que não têm conhecimentos técnicos sobre questões ambientais e, assim, passem a ter maiores chances de influenciar o planejamento estratégico da empresa.
Como se relaciona com outras iniciativas globais:
Contribui diretamente para a Agenda 2030 e para a meta 6 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 (Consumo e Produção Responsáveis). Também são considerados o 2 (Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável), 6 (Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos), 13 (Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos) e 14 (Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. O trabalho relaciona-se com a iniciativa TeSE do FGVces, com as metas do Acordo de Paris, Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e Protocolo de Capital Natural.
Desenvolvimento de Tecnologias para Valoração de Serviços Ecossistêmicos e do Capital Natural em Programas de Meio Ambiente
Proponente: CTG Brasil – empresa privada de grande porte do setor hidrelétrico
Data de início: maio de 2015
Data de término: 31/12/2018
Local de realização: Pontal do Paranapanema (estado de São Paulo) – Corredor Ecológico
Investimento aproximado: R$ 2,8 milhões
Como gera valor para a empresa:
A geração de dados ecológicos compatíveis com modelos de valoração de capital natural permite uma melhor gestão dos projetos de reflorestamento e, ao mesmo tempo, o volume e a consistência dos dados garantem legitimidade no processo de acompanhamento pelos órgãos fiscalizadores. A empresa espera que os dados ecológicos coletados, quando aplicados a modelos de valoração de capital natural e serviços ecossistêmicos indiquem potenciais ativos ecológico-econômicos. Mesmo que não existam metodologias contábeis oficiais para a incorporação desses ativos no balanço e no demonstrativo de resultados, a CTG Brasil entende que, com esse projeto, prepara-se para uma nova tendência.
Como gera valor para o ecossistema e atores envolvidos:
A CTG é intimamente dependente da água como recurso natural para geração de energia. A água, por sua vez, tem sua qualidade e disponibilidade diretamente relacionada à conservação e preservação de florestas e solos, o que incentiva a empresa a alinhar suas estratégias de gestão com a lógica do capital natural. O corredor ecológico restaurou uma área equivalente a 1.200 campos de futebol (1.200 ha), envolvendo o plantio de 2,4 milhões de árvores e promovendo renda para as comunidades envolvidas.
Como se relaciona com outras iniciativas globais:
A iniciativa está associada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 6 (Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos), 13 (Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos), 15 (Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade) e 17 (Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável).