Por Magali Cabral
Depois que os países depositam suas intenções voluntárias de redução de emissão de carbono na Convenção do Clima (ver mais aqui), eles precisam em seguida voltar a sua atenção para dentro de “casa” e estabelecer políticas públicas para ações de mitigação, em níveis nacional, estadual e municipal, que possibilitem o cumprimento da meta.
O Brasil, por exemplo, definiu que reduzirá suas emissões em 43% até 2030, partindo de 2005. Para tanto, como parte dos esforços, ambiciona recuperar 15 milhões de hectares de áreas degradadas, entre outras ações. Veja aqui o conjunto das metas voluntárias brasileiras.
Chegar lá não será fácil. O caminho a ser construído, conforme o estabelecido na Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC, na sigla em inglês) – as contribuições voluntárias apresentadas em Paris em 2015 –, deve cobrir a economia como um todo. A boa notícia é que já existem instrumentos que, se implementados juntos e de forma articulada, podem ajudar os gestores públicos a vencer muitas das dificuldades.
O “mantra” dos que trabalham com mudança climática é que para reduzir emissões é preciso, antes de mais nada, ter uma base consistente de informação. É o princípio de que não se consegue gerir o que não é medido. Para garantir a consistência da meta proposta, o ideal seria que o governo considerasse as emissões tomando por base um inventário nacional atualizado e os custos de redução por setor antes mesmo de apresentar a INDC.
Só que não. “O que acontece de fato é que as decisões acabam sendo tomadas com base em elementos mais políticos do que técnicos. Primeiro, o País se compromete com uma meta geral, depois ele vai ver como fazer para implementá-la – é neste momento que estamos”, explica Mariana Nicolletti, gestora da Plataforma Empresas pelo Clima (EPC), uma iniciativa do FGVces.
Atualmente, ao mesmo tempo que trabalha com os inventários de emissões, o governo vai traçando a sua política nacional para mitigação da mudança do clima a fim de oficializar o compromisso assumido com a Convenção-Quadro. O último inventário nacional, que cobre as emissões até 2010, saiu em abril e pode ser consultado aqui.
Criando políticas
Para caminhar na direção de uma economia de baixo carbono, a política nacional estabelece planos setoriais de mitigação. Oito já se encontram públicos, mas as metas de redução setoriais, para que a meta nacional seja alcançada, ainda devem ser estabelecidas; ao menos para os setores com maior participação nas emissões nacionais. É possível, porém, que, ao serem analisados a representatividade das emissões e o potencial de redução de cada setor, alguns não tenham meta.
Que setores podem contribuir mais para o País atingir a meta nacional? O setor siderúrgico, o de cimento, o de vidro, o químico ou outro? Para construir uma política setorial justa, o governo central precisa reconhecer eventuais esforços feitos antes do compromisso global e identificar as margens que os setores têm para reduzir emissões. Seja porque já fizeram a lição de casa, seja porque são baixo intensivos em carbono por natureza, caso do setor de serviços.
O coordenador do Programa Brasileiro GHG Protocol e pesquisador do GVces George Magalhães lembra que isso acontece com o setor de cimento. “Estudos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostraram que a indústria de cimento brasileira, por exemplo, é uma das mais eficientes do mundo, sendo um benchmark em termos de emissão por produção”, afirma. E isso mostra que esse setor implementou ações no sentido de diminuir a intensidade de carbono de seus produtos antes mesmo de uma obrigação legal para tal, o que é chamado de early action. Em uma eventual regulação para redução de emissões de GEE, a tendência entre os que já implementaram early actions é ter obrigações menores em relação aos outros setores com maior margem para aumentar a eficiência de seus processos.
Enquanto monta os planos setoriais, o governo também precisa abrir a “caixinha” das metodologias e instrumentos de apoio ao inventariante para fazer o que já deveria ter sido feito lá atrás: o MRV – sigla para “mensuração”, “relato” e “verificação”, três elementos-chave da infraestrutura política necessária para analisar e monitorar o desempenho de reduções de emissões dos setores da economia e do próprio governo em esferas nacional e local.
Para se chegar ao valor total das emissões nacionais é possível utilizar dois caminhos: um de cima para baixo (top-down) e outro de baixo para cima (bottom-up). O MRV top-down usa estimativas de emissões a partir de indicadores consolidados das várias atividades econômicas. Já o MRV bottom-up refere-se a cada um dos atores, ou agentes econômicos, reportando o seu próprio inventário, ou seja, cada ator de determinado setor da economia relata o quanto emitiu em um determinado período.
Um caminho é complementar ao outro. Enquanto o bottom-up dá ao gestor público subsídios para criar planos setoriais de emissões e aplicar instrumentos específicos para implementar esses planos, o top-down é suficiente para estabelecer as políticas nacionais. “Desde que as informações sejam constantemente atualizadas”, adverte Nicolletti. “Não dá para só atualizar a cada 10 anos.”
O governo brasileiro tem se mostrado lento nessa atualização do MRV top-down. O inventário mais recente, embora tenha saído do forno em abril, já nasceu defasado em seis anos. Diante da necessidade de controles mais atuais e dinâmicos, a sociedade civil ocupou essa lacuna e criou o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Por meio do Seeg, o Observatório do Clima consegue divulgar estimativas anuais e a evolução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil.
Estímulos complementares e outros instrumentos
Novos protocolos e instrumentos surgiram nos últimos anos para os gestores públicos em nível nacional e local poderem fazer inventário das emissões públicas. O WRI, por exemplo, lançou recentemente um protocolo para a gestão das emissões das organizações públicas, o Public Sector Protocol. E o governo de Santa Catarina foi o primeiro a aplicar as diretrizes do Programa Brasileiro GHG Protocol, adaptando-o à realidade da administração pública. Todas as secretarias de Estado catarinense já inventariaram as suas emissões.
Outra forma de os governos nacionais e locais estimularem a redução de emissões é por meio de um sistema de compras sustentáveis. Estimativas internacionais apontam que o consumo do poder público de um país representa entre 8% e 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Se adotar práticas de compras condizentes com políticas e metas de sustentabilidade, estará contribuindo diretamente para gerar escala na economia de baixo carbono.
A publicação Compras Sustentáveis e Grandes Eventos, do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), mostra que a opção por compras sustentáveis em grandes eventos, como as Olimpíadas e Copa do Mundo, pode ser uma ferramenta poderosa no desenho das políticas nacionais de mudança do clima.
“Pouco tempo atrás” – diz o estudo – “o ato de ‘comprar bem’ significava avaliar a relação custo-benefício considerando apenas preço, prazo e qualidade.” Mas, atualmente, novas regras e estratégias entraram neste jogo, entre as quais a Lei de Licitações e Contratos, que introduz a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e, portanto, vai além do atendimento de necessidades institucionais pontuais.
Vias de fato
Depois de feitos os inventários e traçadas as políticas nacionais, subnacionais e setoriais para a mudança do clima, o gestor público ainda tem uma etapa a vencer: como irá viabilizar efetivamente a redução de GEE? Para essa fase, destacam-se duas categorias de instrumentos: o “comando e controle”, que são as regulações diretas de estímulo à mitigação das emissões; e os “instrumentos econômicos”, que promovem um incentivo indireto às atividades menos intensivas em carbono.
O comando e controle refere-se às legislações diretas para políticas ambientais e à sua fiscalização. Em vez de fazer um incentivo econômico para estimular a redução das emissões, o governo utiliza-se de proibições, determinação de padrões mínimos e fiscalização – por exemplo, de uma lei prevendo punições a quem desmatar uma determinada área que se queira proteger, ou a uma empresa que emitir acima do limite determinado pelo regulador.
Já com os instrumentos econômicos busca-se induzir um novo comportamento sobre atores econômicos com base em penalidades ou benefícios oferecidos a tais atores. Ou seja, ao taxar os setores intensivos em carbono, o governo estará indiretamente beneficiando o setor menos intensivo (leia mais sobre instrumentos econômicos aqui).
Depositar metas ambiciosas na Convenção-Quadro pode ser bem mais fácil do que cumpri-las efetivamente. Até porque ainda não estão definidas as sanções para os países que não as alcançarem.