Por André Ferretti* e Guilherme Karam**
Na história recente, quase ninguém falava em mudança climática. Era uma realidade que parecia distante. Entretanto, o momento atual é bastante crítico e decisivo para agirmos a fim de minimizar os impactos que o clima tem causado no mundo.
Em abril, a Organização das Nações Unidas reuniu os chefes de Estado de centenas de países para a assinatura do Acordo de Paris. Esse documento, que representa a possibilidade efetiva de mudança para uma economia mundial de baixo carbono, na qual os processos produtivos são melhorados ou substituídos para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, foi aprovado durante a Conferência do Clima (COP21), em dezembro do ano passado.
O texto define que a temperatura média da Terra não deve subir mais que 2 graus até o fim do século, considerando os valores registrados na era pré-industrial, e a orientação é para que fique em, no máximo, 1,5 grau.
Mas para que isso? Qual o impacto desse aumento na vida das pessoas? O que temos visto como consequência direta do aumento de temperatura do planeta são comunidades sofrendo com a maior frequência de eventos climáticos extremos – como tempestades violentas, secas prolongadas e ondas de calor ou frio excessivos. A economia e a qualidade de vida das pessoas têm sido impactadas tanto pela falta como pelo excesso de água.
De acordo com a pesquisa Valorando Tempestades, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2010 foram destinados R$ 3 bilhões pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, em resposta aos desastres naturais e suas consequentes ações de reconstrução. O mesmo estudo aponta ainda que, entre 1991 e 2012, quase 4 milhões de pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas por conta de inundações, enxurradas e deslizamentos, com um total de mais de 46 milhões de brasileiros afetados.
Por isso, durante a própria COP21 um pavilhão inteiro da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) foi destinado a diversas reuniões e encontros sobre a adaptação à mudança do clima, com o objetivo de discutir o tema e aprender com ações e projetos de sucesso.
Entre as várias iniciativas sobre o assunto, uma merece destaque: a Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE). Essa prática leva em consideração o equilíbrio dos ambientes naturais como ferramenta para minimizar os efeitos das alterações do clima e aumentar a resiliência das comunidades a essas mudanças.
Exemplificando de forma bem simples com uma situação que ocorreu há pouco tempo no Sudeste e mais frequentemente no Nordeste do Brasil: a estiagem que fez com que represas secassem. A estratégia tradicional, que poderia utilizar a infraestrutura usual ou “cinza”, seria construir uma rede de captação e distribuição que retirasse a água de outra bacia hidrográfica, bombeando-a para a região que está sem o recurso. Na solução de AbE, considera-se recuperar a vegetação nativa do local que está com pouca água, além de conservar a que ainda existe.
Dessa forma, a água da chuva consegue penetrar e ser armazenada no solo de forma lenta e gradual, permitindo a recarga do lençol freático e a disponibilidade de água em maior quantidade e qualidade nesta bacia hidrográfica. Esta segunda opção costuma custar menos, além de também trazer benefícios associados, como a melhor qualidade do solo e do ar e a regulação do microclima local.
É interessante perceber como esse assunto vem ganhando espaço nas conferências do clima, pois em outras edições era pouco mencionado. Em um dos eventos da COP21, foi apresentado o caso de El Salvador – ocasião em que a ministra do país Lina Pohl contou sobre a criação de uma base de dados com projetos de AbE de toda a América Central, com o objetivo de analisar a efetividade das ações implementadas. A ministra explicou que nos últimos sete anos o Produto Interno Bruto (PIB) de seu país vem se reduzindo em cerca de 4% ao ano, e os eventos climáticos extremos foram considerados os principais responsáveis.
Aqui no Brasil, o tema também ganha relevância. Ano passado foi divulgado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo Governos Locais pela Sustentabilidade (Iclei), com apoio do Observatório do Clima, o trabalho Adaptação Baseada em Ecossistemas: Oportunidades para políticas públicas em mudanças climáticas, que contabilizou experiências de AbE em todo o mundo, identificando cerca de cem estudos de caso.
Para que a população brasileira possa efetivamente adaptar-se às alterações do clima, é preciso estabelecer políticas públicas adequadas. Para tanto, aguardamos que o governo federal lance o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), que foi aberto para consulta pública no ano passado. O conceito de AbE, inclusive, faz parte do PNA como um dos nove princípios norteadores da estratégia brasileira de adaptação.
O conhecimento é necessário para que as comunidades brasileiras mais vulneráveis, como as ribeirinhas e as que vivem em ambientes costeiros, estejam mais preparadas e resilientes aos impactos dos eventos climáticos extremos já existentes. Sua aplicação depende da priorização na agenda política local e da aceitação de que o risco é real e eminente e para isso a pressão social será fundamental.
* André Ferretti é gerente de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
** Guilherme Karam é coordenador de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza