Por Fernanda Macedo
A crise hídrica de 2015, que levou o Brasil a um despertar sobre as questões de mudança do clima, trouxe, a duras penas, alguns aprendizados sobre adaptação. Um deles é o de que estamos habituados a buscar soluções de curto prazo, em vez de encarar de frente a complexidade de questões como essa.
Um levantamento sobre notícias dos principais jornais do País relacionadas à crise hídrica indicou que quase metade das soluções apontadas pela imprensa sugerem saídas urgentes e imediatas, como a transposição e a integração de sistemas de distribuição, redução de consumo e de desperdício e uso do volume morto.
No entanto, a falta d’água é um problema sistêmico que não diz respeito apenas ao abastecimento, mas também ao tratamento de esgoto e efluentes, destinação de resíduos sólidos, redução de desmatamento e revisão de modelos de produção (veja mais na edição 93). Construir reservatórios maiores, por exemplo, pode trazer resultados efetivos, mas eles serão paliativos se outras medidas como plantar ou conservar matas ciliares não forem implementadas conjuntamente. É preciso, portanto, adaptar-se a um novo cenário de alteração do regime de chuvas, pensando a longo prazo.
Assim como as empresas de saneamento, todos os demais setores sofrem com o risco climático. Mas implementar uma política de adaptação pode ser bastante complexo, dado o seu caráter transversal, sua capacidade de atingir uma ampla gama de atividades econômicas e sua necessidade de envolver e engajar atores de diversos grupos – de povos e comunidades tradicionais a diretores de empresas e planejadores públicos.
Por isso, a ideia de integrar a adaptação a ferramentas de planejamento e desenvolvimento já existentes no governo, empresas e organizações da sociedade civil é fundamental para avançar nesta agenda. Usar recursos já previstos em setores como agricultura, mobilidade urbana etc. – integrando a eles um olhar atento à questão da adaptação – pode ser o caminho mais viável para implementar medidas adaptativas.
Porta de entrada
Para isso, é preciso descobrir por onde o tema da adaptação ingressa nas organizações públicas e privadas. Idealmente, a porta de entrada deveria ser pelas áreas relacionadas a planejamento e gestão de risco, departamentos capazes de conectar a adaptação às estratégias que estão no core business de uma empresa.
Nas escolas de negócio, a adaptação, quando tratada, é tangenciada em algumas disciplinas que, em geral, tratam de forma mais abrangente a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Por exemplo, a mudança do clima influencia a frequência e intensidade de desastres, como ciclones, tornados, incêndios, inundações e deslizamentos de terra.
No entanto, em um encontro sobre gestão de riscos de desastres promovido pelo UNISDR e a Florida International University, em Toronto, que reuniu nove universidades de diversos países para compartilhar como têm trabalhado (ou vão trabalhar) o tema em cursos de pós-graduação, apenas uma das universidades relacionou a gestão de risco de desastres à agenda de adaptação.
As experiências e propostas apresentadas são muito diversas. As universidades abordam o tema da adaptação por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, por disciplinas sobre continuidade dos negócios, investimento sustentável ou especificamente adaptação à mudança do clima.
Atuação em rede
Adaptar o País à mudança do clima exige ações específicas, como o trabalho do Inpe ao disponibilizar cenários climáticos para a sociedade. Ter projeções climáticas robustas é um ferramental importante. Por exemplo, se todos os cenários climáticos mostram que choverá menos no Nordeste do Brasil, qualquer decisão nesta região deve considerar esse cenário.
Mas serão necessárias também outras ferramentas para incorporar o risco climático aos processos corporativos. Esse ferramental trará um suporte para a tomada de decisão, que deve considerar, além do conhecimento, questões sociais como valores culturais, psicologia e linguagem, além de características institucionais – como flexibilidade, comunicação, engajamento de stakeholders, entre outras.
Acontece que nem sempre uma empresa contará internamente com todos esses recursos. Por isso, o apoio de outras organizações, como instituições de ponta, arranjos sociais e redes, pode ajudar uma empresa a ir além de suas fronteiras.
A plataforma Empresas pelo Clima (EPC), do FGVces, foi criada pensando nesse ambiente de suporte às organizações. A EPC tem o objetivo de mobilizar, sensibilizar e articular lideranças empresariais para avançar na agenda da mudança do clima.
Buscando promover estratégias específicas para adaptação, a EPC lançou em 2015 um grupo que funciona como comunidade de práticas, promovendo debates sobre planos, compartilhamento de experiências e boas práticas, e desenvolvimento de ferramentas com participação de 20 empresas-membros da Plataforma.
Diante desses desafios, como complexidade e um alto nível de incerteza, os tomadores de decisão na área da adaptação precisam lidar com o caráter extremamente técnico dos dados, o que inclui interpretar cenários climáticos específicos a setores ou regiões de atuação. Comunidades de práticas como a EPC podem ajudar esses participantes a obter um novo olhar com base na interação e na troca com outras empresas.
Um artigo acadêmico, que será apresentado no congresso 2016 Academy of Management Annual Meeting, entre 5 e 9 de agosto, resume a experiência do processo de aprendizado das empresas desse grupo. Os participantes disseram, por exemplo, que sua visão sobre o tema foi transformada ao longo dos encontros. A percepção em relação aos benefícios por integrar o grupo também ficou em evidência, devido ao perfil multisetorial da comunidade e à facilidade de aprendizado.
Em 2014, a iniciativa EPC desenvolveu – em conjunto com seus membros e apoio da organização alemã de cooperação internacional GIZ e da Fundação Konrad Adenauer – o Ciclo para a Elaboração de Agendas Empresariais de Adaptação às Mudanças do Clima e uma Ferramenta para auxiliar a implementação deste Ciclo.
No ano passado, esses documentos foram atualizados em parceria com Ministério do Meio Ambiente (MMA) e UKCIP e com o apoio da Embaixada Britânica. Sete empresas desenvolveram ou estão desenvolvendo projetos pilotos de estratégias para adaptação por meio do Ciclo e da Ferramenta da EPC.
No entanto, como o tema está em uma fase inicial de implementação nas organizações, há ainda um longo caminho para associar adaptação à estratégia, à análise de investimentos e aos valores das organizações.