Por Fernanda Macedo
O educador Paulo Freire comparou as escolas de negócio brasileiras a fábricas de administradores. Obedecendo a um “padrão de produção” que ignora o aluno como sujeito de seu aprendizado, o ensino superior e, especialmente as escolas de administração, colocam em risco suas chances de sobrevivência no mundo de hoje.
O estudante de administração, produto desta fábrica, não terá elementos para transformar a realidade, mas apenas para se adaptar a ela, anulando ou reduzindo dramaticamente seu poder criador. A utilização de pedagogias inovadoras nos cursos superiores pode trazer aos profissionais do século XXI novas competências ao estimular a participação em seus próprios processos de formação.
Nesse contexto, muitas novidades têm invadido a área de educação e provocado experiências inovadoras. No cenário global, a Organizações das Nações Unidas (ONU) lançou em 2007 uma iniciativa para escolas de negócios voltada para inspirar e reconhecer avanços no ensino e pesquisa de administração. Com base nos seis princípios dos Principles for Responsible Management Education (PRME), estimulam-se instituições acadêmicas a promover a responsabilidade social por meio da incorporação de valores universais nos currículos de ensino. O objetivo final é desenvolver uma nova geração de líderes capazes de gerir os complexos desafios enfrentados por empresas e pela sociedade.
E um dos princípios dos PRME é exatamente repensar os métodos usados em sala de aula: “Criar estruturas educacionais, materiais, processos e ambientes que permitam experiências de aprendizagem eficazes para a liderança responsável”.
A FGV-Eaesp é signatária do PRME desde 2009 e, orientada por tais princípios, criou o curso Formação Integrada para a Sustentabilidade (FIS) para alunos da graduação das quatro escolas da FGV de São Paulo – administração de empresas, administração pública, economia e direito. Com 11 turmas formadas e a décima segunda em andamento, o FIS vai além da abordagem de disciplinas, nas quais o objetivo é a transmissão de conteúdos, ao propor um processo que busca promover as condições necessárias para fazer emergir nos alunos um sujeito mais consciente de si e de sua interdependência e complexidade; e também ativo e autônomo na sua relação consigo mesmo, com os outros e com a realidade.
Para isso, a FGV usou como inspirações teórico-metodológicas a Teoria U e a Transdisciplinaridade (saiba mais em Pilares e no Baú), além de trazer a dimensão prática e de contato com a realidade, que é a proposição de um desafio para que a turma toda ‒ composta de 16 alunos, como um único grupo ‒ proponha a solução. Na décima primeira edição do FIS, em 2015, o desafio foi promover experiências em novos modelos de escolas de negócios. Os alunos do FIS então conduziram uma pesquisa que identificou incômodos de alunos e professores em relação ao curso de administração, com base em 268 respostas.
O desconforto com o modelo de ensino atual é comum a muitos estudantes. Confira a seguir exemplos práticos de como escolas de negócio em todo o mundo estão inovando o ensino em sala de aula:
Autoconhecimento
Conhecer a si mesmo pode transformar sua experiência acadêmica e seu futuro profissional
Cada vez mais preocupados em se realizar por meio da vida profissional, estudantes têm buscado em si mesmos aquilo que realmente os move e pode representar uma fonte de trabalho e de felicidade ao mesmo tempo. Para isso, o autoconhecimento é imprenscidível e tem sido apontado como uma das habilidades mais valiosas para administradores.
De acordo com uma pesquisa com 90 CEOs e altos executivos feita pelo Hult Labs, conhecer as próprias forças e fraquezas é a base para exercer uma liderança no futuro e lidar com problemas do mundo real. A MIT Sloan Management Review publicou um artigo que aponta o autoconhecimento como a capacidade mais importante para os líderes desenvolverem, em razão de que inclinações naturais os impulsionam ou os limitam em seu fazer profissional. Conhecer a si mesmo é também um critério observado nos processos seletivos de universidades como a Yale.
A maioria dos executivos não se vê como parte do problema das empresas e, por isso, não entende a solução para essas questões. O autoconhecimento pode auxiliar nessa mudança de mentalidade, segundo este artigo da Harvard Business Review. Essa demanda por autoconhecimento tem inspirado uma série de iniciativas inovadoras dentro das salas de aula.
Por exemplo, o programa UnCollege, nascido no Vale do Silício – famoso mundialmente por seu rico ambiente empreendedor –, oferece uma jornada de aprendizado de um ano. Nesse período, o estudante vivencia experiências como morar em um ambiente coletivo, viajar para o exterior, trabalhar em uma empresa de seu interesse e desenvolver um projeto pessoal. Baseado na ideia de aprendizagem autodirigida, acredita-se que competências como comunicação, desenvoltura e negociação são assim construídas juntamente com o senso de autonomia.
Outra experiência nessa linha do conhecimento de si mesmo é a criação do The Self-Development Lab, pela Universidade de Toronto, com um MBA especialmente dedicado ao tema.
Várias universidades incentivam o autoconhecimento como parte do processo geral de aprendizagem. O THNK School of Creative Leadership realiza avaliações 360o com coaching e mentoring entre alunos e professores, chamada de 360mirror.
A escola de negócios da Universidade Harvard – a Harvard Business School – destaca a importância do tempo para reflexão como base para trilhar uma carreira de sucesso.
Um programa da Universidade de Oxford, An Opportunity for Self-Reflection, promove um ambiente de autorreflexão e tutores individuais dedicados a cada aluno.
A University of Warwick e University of Southampton são algumas das universidades que oferecem uma disciplina regular de autoconhecimento, com um repertório para expandir a visão de mundo dos alunos e repensar o modo como estruturam e realizam o seu fazer.
Cursos livres ou não acadêmicos também têm aproveitado o filão do autoconhecimento. Por exemplo, iniciativas como a Casa Sou.l estimulam uma busca por propósitos e ideais escondidos dentro dos alunos, por meio de diálogos, dinâmicas e processos criativos. Nesses espaços, a autonomia e o empoderamento pessoal são centrais e ajudam a lutar contra medos e outros processos de autossabotagem.
As empresas também estão interessadas no tema. O Google lançou o Search Inside Yourself Institute, aberto a funcionários e também ao público em geral, que explora a mindfulness e a inteligência emocional, além do autoconhecimento, afinal “a grande complexidade externa requer uma grande clareza interna”, anuncia o website do instituto.
Personalização e flexibilidade
O novo aluno é aquele que deseja ser mais livre para traçar sua própria trajetória de aprendizagem com conteúdo e ritmo próprio
O passo seguinte para o autoconhecimento é fazer o esboço da trajetória acadêmica desejada. A flexibilidade e personalização dos cursos universitários são tendências na educação. Essa liberdade pode se dar pela escolha própria de disciplinas em diferentes trilhas de conhecimento, com base na experiência individual, carreira e objetivos e até mesmo na flexibilidade de prazos para concluir a certificação – mais rápido ou mais lentamente.
O estudo Stanford2025 identifica a tendência de maior fluidez nos prazos e fluxos do aluno na universidade, dando maior liberdade para que ele possa migrar entre escola e mercado de trabalho, coordenando o seu processo de formação ao longo do tempo.
No Brasil, o Mestrado Executivo em Gestão Empresarial, da FGV Ebape, possui apenas quatro disciplinas obrigatórias, permitindo ao aluno uma maior liberdade em relação a sua grade disciplinar.
Para personalizar ainda mais a trajetória de aprendizagem, a customização da grade curricular tem se tornado um diferencial frequente entre as grandes escolas do mundo. Uma das melhores da Ásia, a Indian School of Business, permite que cada aluno formule sua própria lista de disciplinas. A CUHK Business School incentiva seus alunos a estipular objetivos de formação individuais para, a partir deles, estruturar o seu currícculo. Na universidade de Berkeley, apenas 40% do currículo do MBA é composto de disciplinas obrigatórias; o restante fica a critério do aluno com base em seus objetivos de carreira.
A HEC Paris também permite ao aluno personalizar sua trilha de conhecimento, por meio de disciplinas eletivas, trabalho de campo ou intercâmbio internacional, além de especializações em áreas como inovação digital, fusão e aquisições, luxo, liderança, entre outras, em projetos ou cursos patrocinados por grandes empresas.
A Education Week apresentou um modelo com os principais aspectos envolvidos em um processo de personalização do aprendizado.
Um movimento de cursos não vinculados ao Ministério da Educação, que são customizados de acordo com o interesse dos estudantes, é a Universidade Livre Pampédia, criada a partir da ideia de uma forma mais livre e aberta de conhecer, mas conectada com referências teóricas.
A dinamarquesa Kaos Pilot também usufrui da liberdade curricular com grades que incluem até free spaces, ou seja, momentos livres para o aluno decidir o que prefere fazer, dentro ou fora de classe. Trabalham com liderança, educação e design thinking.
Mas, para conseguir traçar uma jornada acadêmica com qualidade, muitas escolas têm oferecido também um aconselhamento para o planejamento acadêmico, por meio de programas de coaching e mentoring, para que seus alunos formulem seus currículos de acordo com seus objetivos pessoais e profissionais, como a HKUST Business School, a University of St. Gallen, na Suíça, e a Evergrenn State College, dos EUA.
Aprendizagem na prática
Para atender melhor as demandas do mundo real, os alunos mergulham em experiências de campo direcionadas às necessidades de empresas e outras organizações
Ao sair da sala de aula, o contato com a realidade põe em xeque conceitos e teorias. Para amenizar esse impacto, algumas escolas têm oferecido também a oportunidade cada vez maior de experiências e atividades reais, como projetos aplicados e consultorias para empresas, governos e organizações. As experiências em campo têm feito sucesso, pois existe uma clara desconexão entre conhecimento acadêmico e necessidades de mercado. As escolas tradicionalmente colocam mais peso no conhecimento técnico, enquanto as empresas valorizam mais as competências comportamentais.
O learn by doing e o hands-on são expressões comuns nos ambientes empresariais e, por isso, os programas de mestrado das principais universidades americanas investem em experiências de campo.
A Universidade Harvard criou o programa Field, pré-requisito no primeiro ano do MBA. Nele, os alunos trabalham em grupos para solucionar desafios de clientes ao redor do mundo com o objetivo de criar ou aprimorar produtos, serviços ou experiências de um segmento de clientes. Eles participam de uma imersão de oito dias em campo para testar ideias, prototipar e apresentar o resultado final a um gerente da organização.
O Global Management Immersion Experience (GMIX), de Stanford, leva os alunos para uma viagem de quatro semanas de imersão em outro país para trabalhar em projeto de uma organização patrocinadora em diversas indústrias.
A Team Academy é uma escola finlandesa de empreendedorismo que aposta no on-the-job. Não existem aulas formais e os alunos se agrupam em empresas e têm liberdade para definir o seu aprendizado à medida que os seus projetos ou empresas demandam novos conhecimentos. Os professores são mentores dos projetos e facilitam o acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo que os temas se mostram necessários para que os projetos evoluam.
A FGV, por meio do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), tem oferecido a empresas participantes de seus projetos uma experiência de formação que leva executivos para vivências em campo. Gildete de Araújo Lima, que trabalhava no Grupo Boticário e está fazendo doutorado em Portugal, participou da Jornada Empresarial das Iniciativas Empresariais (IEs) “Terceira Margem”, em Extrema (MG).
Ela destacou a surpresa ao perceber como os proprietários de terra, um stakeholder importante para a sua empresa, estavam engajados e bem informados sobre a importância do seu papel no contexto geral. “Foi um grande aprendizado, pois isso reforça o sucesso e a perenidade de qualquer projeto”, comenta ela. Lima comenta que talvez as teorias tenham pouco valor sem a experiência prática e, ao mesmo tempo, a prática também é incompleta sem seu embasamento teórico.
Um estudo da Universidade de Stanford sobre o futuro da educação aponta para uma transição: os currículos vão voltar o objeto das disciplinas e do tempo em sala de aula para o desenvolvimento de competências e habilidades. O papel fundamental do ensino superior é preparar profissionais para um mundo de constantes desafios.