Por Amália Safatle
Depois que um terremoto de 8 graus na escala Richter arrasou a cidade de San Francisco, nos Estados Unidos, em 1906, a indústria de seguros nunca mais foi a mesma. Estabeleceu-se, de forma bastante dolorosa, a correlação entre desastres naturais e perdas bilionárias.
Causados ou não pela ação do homem, os desastres ambientais fizeram com que, ao longo da História, a pauta “verde” entrasse definitivamente no radar das seguradoras e resseguradoras. Desastres provocados em New Orleans pelo Furacão Katrina, em 2005, por exemplo, mostraram-se avassaladores o bastante para acender a luz laranja sobre os efeitos da mudança climática sobre as cidades, mas que também atingem em cheio a produção agrícola e a oferta de água, só para citar alguns exemplos.
O rompimento em novembro de 2015 de uma barragem de rejeitos de mineração da Samarco (Vale-BHP Billiton), em Mariana (MG), que causou o maior desastre ambiental no País, vem engrossar a lista de perdas de toda sorte, entrelaçadas entre si: ecológica, social, humana, econômica, financeira (veja ensaio fotográfico sobre o desastre aqui).
No passado recente, questões socioambientais e de governança têm sido incorporadas pela indústria de seguros, especialmente após o lançamento em 2012 dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI, na sigla em inglês), durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Desenvolvidos pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma (Unep-FI, na sigla em inglês), os PSI fornecem um arcabouço para o mercado de seguros global tratar de riscos e oportunidades ambientais, sociais e de governança.
Em síntese, trata-se de uma abordagem estratégica em que todas as atividades na cadeia de valor do seguro devem ser feitas de forma responsável e prospectiva. Os objetivos são reduzir riscos, criar soluções inovadoras, melhorar o desempenho nos negócios e contribuir para a sustentabilidade ambiental, social e econômica. Conheça aqui os princípios (em inglês).
No Brasil, o começo
De acordo com estudo do FGVces sobre o Sistema Financeiro Nacional, a indústria seguradora brasileira encontra-se no estágio conceitual de debates sobre a Economia Verde, mas já identifica e reconhece a relevância para a perenidade de suas atividades, especialmente no âmbito da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
Periodicamente, uma comissão de sustentabilidade criada pela confederação reúne-se para engajar o setor segurador no tema. Além disso, um protocolo de intenções foi firmado entre a CNseg, o Ministério do Meio Ambiente e o Sindicato das Seguradoras do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. E uma pesquisa recente mostra o amadurecimento do setor em relação a práticas de sustentabilidade.
No entanto, as empresas que vêm debatendo o tema no âmbito da CNseg, signatárias ou não dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros, ainda possuem uma visão pouco uniforme sobre como as questões socioambientais se relacionam com a gestão dos riscos de sua carteira e as reservas garantidoras de seus passivos. Essa integração precisa ser facilitada por meio de diálogo com os órgãos reguladores, que atuam fortemente sobre as atividades de seguros e gestão de reservas.
Existe um espaço no mercado para o desenvolvimento de soluções inovadoras, que vão desde a revisão dos processos de análise do risco, aceitação de clientes, emissão de apólices e manutenção de contratos até o lançamento de novos produtos e serviços que apresentem adicionalidades socioambientais. Veja aqui como as seguradoras no Brasil podem aderir à iniciativa.
No exterior, avanços
Já no âmbito internacional, a indústria de seguros diferencia-se especialmente quanto às práticas de prestação de contas em relação à integração das questões ambientais, sociais e de governança. As estruturas de relato dos signatários internacionais do PSI se apresentam de forma comparável e abrangente em relação às suas práticas na implementação dos Princípios, mesmo entre as que atuam em diferentes segmentos.
Lá fora, o mercado segurador já desenhou o cenário em que deve trabalhar nas próximas décadas, o qual acena com o aumento de perdas diante da ocorrência de desastres naturais mais frequentes e severos, crescente urbanização e aumento populacional.
Essas informações constam de um recente estudo do Unep-FI intitulado Insurance 2030 – Harnessing insurance for sustainable development, que mostra como os seguros podem ser utilizados para promover o desenvolvimento sustentável e para auxiliar as comunidades e as economias a enfrentar as ameaças, entre elas a do aquecimento global.
Em que ficar de olho
De fato, entre os temas prioritários até 2030, o documento do Unep-FI destaca a mudança climática, que na década passada esteve relacionada a 80% dos desastres naturais, causou perdas médias de US$ 60 bilhões por ano ao setor de seguros e recentemente levou a severas crises de água no Brasil e na Califórnia.
Olhando do ponto de vista da oportunidade para a indústria de seguros, o documento cita a transição para a economia de baixo carbono como um estímulo para novas abordagens no campo da regulação e para lançamento de produtos inovadores, como seguros para projetos de energia limpa, prédios verdes, eficiência energética e veículos híbridos.
Há outros pontos de atenção para as próximas décadas, e muitos destes ligados à demografia, ao envelhecimento da população (com aumento de riscos de saúde e de custos para a Previdência) e à crescente desigualdade nos países emergentes, que podem levar a disrupturas socioeconômicas, além do desemprego entre jovens. Quanto aos riscos políticos, são mencionadas a corrupção e a lavagem de dinheiro.
Os pesquisadores chamam atenção também para os efeitos da urbanização sobre a saúde humana, como exposição à poluição do ar e maior incidência de doenças crônicas causadas pelo estilo de vida pouco saudável.
Mas também recaem riscos sobre a indústria de seguros em si, que globalmente possui US$ 29 trilhões de ativos em carteira. O estudo traz dados de uma pesquisa anual internacional na qual os serviços financeiros e de seguros aparecem em último lugar no ranking das indústrias globais mais confiáveis.
“Muitos dos entrevistados concordaram com o fato de que o aumento da confiança pública no setor de seguros é uma prioridade crítica. Aumentar a transparência nas empresas através de produtos de seguros e operações, incluindo o investimento, é um primeiro passo necessário para atingir esse objetivo”, escrevem os autores do estudo do Unep.