POR AMÁLIA SAFATLE
Estipular um preço para as coisas – produtos e serviços – é uma forma que a sociedade de mercado encontrou para valorizá-las. Com os serviços prestados pela natureza, vale o mesmo raciocínio: dar um preço a eles é uma maneira de reconhecer o valor que têm.
Pode-se argumentar que a natureza não tem preço, que seu valor é inestimável. Mas não colocar preço algum sobre os serviços que ela presta acaba emitindo sinais errados: por ser “de graça”, muita gente entende que a natureza pode ser explorada à vontade, a qualquer custo.
O resultado é que os prejuízos ambientais gerados por esse uso indiscriminado acabam sendo pagos por toda a sociedade, especialmente pela parcela mais vulnerável: a que possui menores condições materiais e tecnológicas de se adaptar a um meio ambiente mais hostil.
Já existem mecanismos econômicos voltados para corrigir essa distorção: são os chamados princípios do poluidor-pagador e do conservador-recebedor. Quem polui remunera aqueles que conservam, induzindo a práticas de proteção e desestimulando a destruição. Essa é uma maneira de usar a lógica econômica a favor da conservação ambiental.
Sinais perversos
Mas, na prática corrente, não é isso que ocorre. Coloca-se um preço para os produtos de uma empresa sem incorporar o custo da poluição que ela gera ao fabricar os produtos. Isso acaba passando uma mensagem perversa: dá a entender que o produto vale mais que a natureza, gerando o que se chama de falha de mercado. E, pior que isso: ainda existem subsídios que incentivam atividades poluidoras, passando sinais ainda mais perversos. O Fundo Monetário Internacional estima que são dados nada menos do que US$ 5,3 trilhões de subsídios diretos e indiretos aos combustíveis fósseis no mundo por ano.
Como observa o coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) Tasso Azevedo, em artigo publicado em O Globo, isso equivale a mais de 6% do PIB global e a mais do que o total dos gastos de saúde em todo o mundo. Segundo dados da Agência Internacional de Energia, somente os subsídios diretos (valor do combustível abaixo do valor praticado no mercado internacional) superam todo o investimento recorde em energias renováveis em 2015, que foi de US$ 315 bilhões.
Externalidades
Em geral, o fabricante embolsa os lucros que teve com a sua atividade (privatiza os ganhos) e deixa para a sociedade a tarefa de arcar com os custos de sua poluição (socializa os prejuízos). É o que se chama de externalidade negativa. Estipular um preço para essa externalidade, portanto, é uma forma poderosa de estimular a empresa a reduzir os prejuízos ambientais que causa (mais sobre Externalidades na edição 88 de PÁGINA22).
Essa externalidade negativa pode ser exemplicada pela contaminação de águas, do solo e do ar, o que causa doenças e reduz a qualidade de vida. Outro exemplo são os gases de efeito estufa (GEE) lançados na atmosfera por determinada atividade econômica, modificando o clima globalmente. Essa mudança provoca uma maior ocorrência e intensidade de eventos extremos, como secas severas, chuvas torrenciais, tornados, ondas de calor e de frio que, por sua vez, resultam em deslizamentos e alagamentos, mortes, migrações em massa, aumento de conflitos, entre outras consequências.
Tudo isso torna as condições mais difíceis para todos, especialmente os mais pobres, aumentando a desigualdade social dentro e fora dos países. No dia a dia – e isso já podemos constatar na pele – encarecem a produção de alimentos e a geração de energia, promovem secas históricas, impactando a inflação, o custo de vida, a atividade industrial, os empregos, e aumentam a incidência de doenças tropicais.
No grande cenário, a mudança climática pode representar um colapso dos sistemas vitais na Terra, com impactos imprevisíveis, caso o aumento da temperatura global ultrapasse 2 graus em relação ao nível pré-industrial. Até o momento, a alta média é de 0,8 grau.
Para zerar emissões
A quantidade de carbono que já emitimos na Terra, que é cumulativa, não permite mais que o aumento seja inferior a 2 graus. Sendo assim, precisamos de políticas que permitam à humanidade se adaptar ao novo clima definido por esse aumento de temperatura. Para ficarmos dentro do limite dos 2 graus – conforme acordado entre líderes mundiais na Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima em Cancún, em 2010 –, temos a tarefa difícil, mas não impossível, de zerar as emissões até o fim deste século.
A tarefa é tão grande que não podemos abrir mão de nenhum mecanismo existente, seja ele de comando e controle, definido por legislações e regulações; seja por meio de campanhas de conscientização, educação, investimento em pesquisa e tecnologia; seja por meio de um sistema de comércio de emissões ou de tributação sobre o carbono.
Políticas sobre mudança do clima têm sido adotadas por um número crescente de países, estados e cidades, fazendo uso de variados tipos de instrumentos para implementar ações de mitigação. A experiência em elaboração de políticas para o clima demonstra que, no que se refere ao objetivo de reduzir emissões de gases de efeito estufa, nenhum instrumento isolado é suficiente para lidar com a ampla gama de fontes e setores emissores e, simultaneamente, atingir objetivos de redução ambiciosos a um custo razoável.
As políticas de comando e controle no Brasil, por exemplo, embora necessárias, não se mostraram suficientes, tornando novas abordagens ainda mais urgentes. Enquanto as emissões globais de carbono cresceram aproximadamente 240% no período entre 1960 e 2008, no País aumentaram em mais de 680%. Uma das razões é que as atividades de monitoramento e cumprimento (enforcement) são, normalmente, subfinanciadas, comprometendo os objetivos da política.
Assim, regulações baseadas em comando e controle comumente são criticadas por serem opções centralizadas, inflexíveis e mais custosas que o necessário. Outra desvantagem é que tendem a desencorajar a inovação, pois geralmente se limitam a estabelecer parâmetros mínimos, não reconhecendo esforços adicionais.
Instrumentos de incentivo
Nas últimas décadas, como alternativas viáveis para lidar com as questões ambientais, inclusive a redução de emissões, emergiram regulações baseadas em incentivos.
Existem diversas formas de usar incentivos para precificar o carbono e, assim, “internalizar a externalidade”. Pode se dar através da tributação sobre o carbono emitido; da adoção pelo comércio de emissões; ou ainda por sistemas híbridos, que combinam características do comércio e da taxação (conheça as diversas formas de precificação aqui).
Os incentivos podem ainda ser definidos de forma a compensar aqueles que adotaram práticas menos intensivas em carbono, em vez de penalizar os que ainda produzem de forma intensiva em carbono.
Para além de internalizar o custo das emissões, instrumentos de precificação tendem a ser custo-efetivos, ou seja, são capazes de fazer com que um determinado objetivo seja atingido ao menor custo possível. Além disso, sinalizam pelo bolso a importância de reduzir as emissões.
Sob determinadas condições, as duas principais alternativas (tributação ou comércio de emissões) podem atingir resultados equivalentes em termos de quantidade de abatimento e custo total para a sociedade. Na prática, existem vantagens e desvantagens para cada uma delas.
A tributação, ou “taxação de carbono”, proporciona (aos regulados) certeza sobre custos e reduz riscos para investidores, mas pode não garantir o resultado ambiental desejado. Em contrapartida, um sistema de comércio de permissões comporta menos incerteza sobre o resultado ambiental, mas pode resultar em um preço volátil e em riscos para atores econômicos.
Entre as grandes vantagens do comércio de emissões estão o estímulo à inovação tecnológica de quem produz, a adoção de processos mais eficientes pelos fornecedores, a busca de produtos menos intensivos em emissões pelos consumidores e a opção por projetos com menor emissão pelos investidores.
Isso porque, ao estabelecer um preço para as emissões, o sistema de comércio fornece incentivos para que produtores substituam insumos e fontes energéticas por opções de baixa emissão e busquem novas soluções tecnológicas, que não seriam economicamente viáveis na ausência desse sistema.
Além disso, quando o custo das emissões é incorporado ao preço dos produtos e bens finais, fica mais fácil para os consumidores perceber quais bens e serviços cuja cadeia produtiva é intensiva em emissões, tornando-se capazes de responder a alterações de preço, ou seja, evitar determinado produto quando seus preços aumentam, e substituí-lo por um equivalente de menor intensidade carbônica (saiba mais sobre os prós e os contras da tributação versus comércio de emissões aqui).
Integrantes da cadeia de valor e os governos estão cada vez mais atentos à tendência crescente de se precificar o carbono, e cientes de que esse movimento afetará os negócios e as políticas públicas.
Além disso, diversos países estão estabelecendo metas de redução, por conta da realização da COP 21 em Paris no fim deste ano (saiba mais aqui ), e a tendência é que haja cada vez mais compromissos de mitigação (veja abaixo quadro com tipos de compromisso possíveis). Uma possível proposta de ação global para lidar com as mudanças do clima, que pode ser definida na COP 21, provavelmente conterá mecanismos de mercado, ao menos como uma das formas de reduzir globalmente o nível de emissões.
Assim, informar-se sobre precificação de carbono passa a ser chave na definição de estratégias e tomada de decisão de empresas e governos.
Quadro – Cinco tipos de compromisso de mitigação:
- Redução em relação a um ano-base: reduzir ou controlar o aumento das emissões absolutas em comparação a um ano ou período-base (histórico).
- Número fixo de emissões: reduzir ou controlar o aumento das emissões absolutas em um número fixo para um ano ou período futuro (sem relação a um ano-base histórico).
- Redução de intensidade: reduzir ou controlar o aumento da intensidade carbônica (emissões de GEE por unidade de outra variável, por exemplo, o PIB), em relação à intensidade carbônica de um ano-base (histórico).
- Compromissos em comparação a cenário(s) de linha de base: reduzir ou controlar o aumento das emissões absolutas em comparação às emissões projetadas em cenários de linha de base. Também conhecidos como cenários business as usual (BAU).
- Outros tipos de compromissos: podem contemplar um aumento percentual da participação de fontes renováveis na matriz energética, maior eficiência energética, redução do desmatamento etc.